Esta
é uma pequena série de textos mostrando uma alternativa ao ponto de
vista consensual sobre o êxodo do Egito, o Egito e regiões próximas
nessa época e a formação da religião judaica, que por sua vez deu
origem ao cristianismo e ao islamismo. Os textos estão divididos em
duas partes. Esta segunda parte é dividida em seis partes menores.
Estes
textos são uma espécie de resumo, trechos retirados do livro
“TUTANCÂMON a verdade por trás do maior mistério da arqueologia”
(título original: Mercy), de Andrew Collins e Chris Ogilvie-Herald,
Editora Landscape, 2004. O livro é muito mais abrangente e detalhado
do que o mostrado aqui, com inúmeras referências e pontos de vista
alternativos sobre os temas abordados. Nesse resumo suprimi as
referências e adotei os pontos de vista escolhidos como mais
prováveis e necessários para o desenvolvimento do raciocínio dos
autores. Quaisquer dúvidas ou pedidos de referências podem comentar
que responderei.
Estes
textos, obviamente, estão aquém do original, no entanto, conseguem
mostrar satisfatoriamente que o que sabemos talvez não seja
exatamente da forma que pensamos ser. Para todos que se interessam
pelo Egito, religiões, História e pela incessante busca pela
verdade.
Parte
II-c: Construindo Deus:
Um
bode expiatório para Azazel
Em
hebraico, se`ir significa “áspero” ou “peludo”, como o pêlo
de um bode montanhês. Seir era também a terra de Esaú, “o pai
dos edomitas no monte Seir”, que era o irmão mais velho de Jacó e
filho de Isaac, cujo pai era o patriarca Abraão. Esaú, ou Edom –
são a mesma pessoa -, era conhecido como “o peludo” (ish se`ir),
indicando que ele é meramente um aspecto do deus de Seir. Também
identifica-se com o “bode” (sa`ir), ou mais corretamente o bode
expiatório. Segundo o livro do Levítico:
E Aarão pegará o que
foi sorteado para Yahweh e o oferecerá como sacrifício pelo pecado.
Quanto ao bode que foi sorteado para Azazael, será colocado vivo
diante de Yahweh, para fazer a expiação, e depois será mandado
para Azazel do deserto.
Azazel
é um anjo caído, cujo nome passou a associar-se à palavra “bode
expiatório”, nas traduções bíblicas. Mas na verdade vem mais
provavelmente do acádio uz,
que significa “bode”. Dele afirmou-se: “Sua parte entre os
povos é Esaú, um povo que vive da espada, e sua parte entre os
animais é o bode. Os demônios [shedim] fazem parte de seu reino, e
na Bíblia são chamados de seirim;
ele e seu povo são denominados Seir”. Os seirim
mencionados
aqui não eram demônios, é claro, mas os povos nativos de Seir,
descendentes de Esaú, ou Edom.
O
monte Seir, então, seria o local original do ritual do bode
expiatório realizado por Aarão, e perpetuado a cada ano na festa
judaica do yom
kippur,
o Dia do perdão. Os estudiosos rabínicos na era medieval procuraram
dissociar essa prática arcaica de qualquer sacrifício feito ao deus
de Seir. Isso parece confirmar-se em uma afirmação feita por um
rabi judeu que deixou claro que “o bode expiatório não é (Deus
me livre!) uma oferenda de nós a ele [ou seja, o deus de Seir] mas
um ato de obediência a Deus.”
Então
, que deus seria exatamente esse deus de Seir? Ele está associado a Esaú,
e também com Edom, cujo nome significa simplesmente “vermelho”.
Esse nome de cor alega-se que deriva da conhecida história bíblica
na qual Esaú é enganado, vendendo sua progenitura a seu irmão
caçula Jacó, o qual lhe ofereceu algumas lentilhas vermelhas em
troca de seus direito. Mesmo assim, o verdadeiro objetivo dessa
parábola talvez seja justificar a animosidade que sempre existiu
entre os dois ramos distintos da família de Isaac.
O
fato de Aarão, o irmão de Moisés e sumo-sacerdote da tribo de
Levi, ter imolado o bode no monte Seir, na terra de Edom, onde os
registros egípcios falam de um lugar chamado “Yahweh na terra dos
shasu”, é interessantíssimo. Aí sim, talvez possamos encontrar
as raízes por traz da adoração de Yahweh. Como a Montanha de
Yahweh poderia, por uma lado, ter sido encarada como o assento, o
trono ou o santuário da deidade israelita, e por outro lado morada
do deus “pagão” de Seir?
Montanha
da Lua
Por
volta de 640 a.C., um homem chamado Josias foi ungido rei de Judá.
Ao contrário de vários antecessores seus que haviam caído na
idolatria, era seguidor fanático de Yahweh, e se diz ter “seguido
em tudo o comportamento de seu antepassado Davi, sem se desviar nem
para a direita nem para a esquerda”.
Josias
trouxe de volta a adoração a Yahweh como religião nacional e
tentou exterminar todas as formas de idolatria. Quaisquer práticas
religiosas ou trechos do Velho Testamento que ligassem o deus de
Israel à terra dos edomitas, os inimigos mortais dos israelitas,
teriam sido expurgados.
Diz-se que Amasias, seu
ancestral, Rei de Judá, depois de matar tantos “filhos de Seir”,
200 anos antes, trouxe de volta a Judá
[…] os deuses dos
filhos de Seir, e os adotou como seus próprios deuses, os adorou e
queimou incenso diante deles.
É
possível que Josias tenha instruído os copistas do Pentateuco para
dissociarem o culto a Yahweh de quaisquer referências ao deus
“pagão” de Seir, que dali para a frente foi transformado em
demônio chamado Azazel ou Edom. É plausível também que Josias
tenha eliminado quaisquer associações geográficas entre Seir e a
Montanha de Yahweh, na esperança de que isso purificasse a lembrança
da aliança entre Moisés e Yahweh no monte Sinai/Horeb. Se isso
tiver mesmo ocorrido, pode explicar melhor por que, tantas gerações
depois, o profeta Ezequiel, como “a palavra do Senhor”, falou tão
mal do monte Seir:
Estou contra ti, ó monte
Seir, e estenderei meu braço contra ti, e fazer de ti um deserto, um
lugar desabitado. Transformarei tuas cidades em ruínas, e tu serás
um deserto, e conhecerás que Eu sou o Senhor.
Parece
que as gerações posteriores de Judeus, de alguma maneira,
distanciaram-se da forma de adoração religiosa praticada pelos
edomitas, os descendentes de Esaú. Para tanto ódio ser canalizado
para esse fim, obviamente não se tratava apenas do fato de a
religião ser “pagã” , mas uma inversão da percepção dos
israelitas acerca da adoração de Yahweh. Em outras palavras, o deus
de Seir, não era entidade pagã coisa nenhuma. Ele era simplesmente
um aspecto de Yahweh, mas que, ao que parece, os israelitas e os
judeus que vieram depois viram como blasfemo. O que, então,
causava-lhes tamanho asco em relação a essa forma de adoração pré
mosaica dos hebreus? A resposta pode ser a associação bastante
íntima de Yahweh à lua.
À
procura de Sin
Antigamente,
a lua era considerada o mais antigo dos planetas, tendo precedido o
sol, como o dia segue a noite. Ela era considerada o elemento que
controlava os ciclos da natureza. Na antiga Mesopotâmia, o moderno
Iraque, ela era adorada com o nome de Sin, do sumério en-zu
ou
zu-en,
que significa “a senhora do conhecimento”, cujo templo principal
era em Ur, uma cidade importante situada na boca do rio Eufrates.
Porém,
os mais antigos adoradores de um deus lunar não eram fazendeiros que
aravam a terra, mas pastores nômades proto-aramaicos, falantes de
línguas semíticas, que perambulavam pelos desertos da Síria e da
Arábia, e eram os precursores dos madianitas e dos árabes
pré-islâmicos. No velho testamento, os arameus eram descendentes de
Aram, filho de Sem e tio-avô de Abraão cujos irmãos mais velhos
diz-se que se chamavam Nacor e Arã. Madiã, ancestral dos
madianitas, foi o quarto filho de Abraão, com Cetura, sua
“concubina”, com a qual tornou-se o pai de muitas nações.
Diz-se
que Abraão viveu por volta de 2000 a 1800 a.C., e que nasceu em “Ur
dos Caldeus”, situada na terra de Sanaar, segundo a Bíblia, antiga
Suméria. Ao que parece, a cidade bíblica de Ur deve ser
identificada com Urfa, antiga Edessa, no sudeste da Turquia.
Aparentemente ali ficava uma antiga cidade chamada Ursu em textos
sumerianos, acadianos e hititas. O mais interessante é que Urfa tem
seu próprio templo ao deus da lua Sin, ao passo que o termo
“caldeus” era simplesmente outro nome dos adoradores de estrelas
de Harã e Urfa, que eram conhecidos desde o oitavo século em diante
como sabianos ou sabeus.
O
primeiro filho de Abraão, Ismael, nascido de uma criada egípcia
chamada Hagar, ou Agar, foi o ancestral dos ismaelitas, ou povos
árabes. O segundo filho de Abraão, Isaac, filho de sua esposa,
Sara, estava destinado a ser o pai de Jacó, ancestral de todos os
israelitas, e Esaú, fundador das tribos edomitas.
Os
estudiosos da Bíblia viviam encafifados com esse negócio de Abraão
ter sido criado em “Ur dos Caldeus” e passado a juventude em
Harã, ambos grandes centros de veneração ao deus da lua Sin. Como
ele é considerado o primeiro grande patriarca, a possibilidade de
uma conexão entre o deus de Abraão e o deus da lua Sin é mesmo
fascinante. É fundamental nos certificarmos disso, uma vez que a
Montanha de Yahweh, sobre a qual moisés recebeu as Tábuas da Lei,
se chama Sinai, literalmente “de Sin” ou “da Lua”.
A
cidade de Sin
Harã
era chamada de “a cidade de Sin”. Os nativos de Harã acreditavam
que Adão, o primeiro homem, “era um profeta, enviado da lua, que
chamava as pessoas para adorarem a lua”. Mas desaprovam Set, o
filho de Adão, porque ele discordou do pai a respeito da adoração
à lua.
Acreditavam
que Abraão foi originalmente criado entre as duas seitas deles –
os adoradores de ídolos e os adoradores de estrelas – mas acabou
se voltando para os Hunafã,
ou seja, aqueles que eram contrários à fé.
Os
Deficientes da Lua
Também
é interessante examinar os mitos e lendas dos mandeanos, um povo que
era originário de Harã mas espalhou-se durante os últimos 1500
anos pelo baixo Irã e Iraque. Hoje em dia seus descendentes são os
árabes dos pântanos. Segundo a tradição mandeana, Bahram, o nome
que davam a Abraão, era originalmente um mandeano de Harã. Mas ao
ser circuncidado, ficou impuro. Bahram começou a adorar Yurba, um
espírito solar identificado com o Adonai hebreu, que estava sob as
ordens de Ruha, rainha das trevas. Dali por diante, ele destruiu
todos os ídolos do grande templo e seguiu para o deserto, e com eles
foram todos os impuros e “leprosos, e aqueles que eram deficientes
– e desses basran
Sira (deficientes
da lua) os descendentes são impuros e deficientes até a sétima
geração”.
Ele
escolheu o lado das trevas, e lutou contra os mandeanos, que prendia
e mandava circuncidar à força, tornando-os impuros como ele
próprio. Mas depois arrependeu-se, e o planeta Saturno disse-lhe que
sacrificasse seu filho (Isaac), porém, tendo se arrependido
verdadeiramente, recebeu permissão para libertar o filho e oferecer
um carneiro em seu lugar.
Festa
da Páscoa
Com
a origem e a natureza das festividades árabes em mente, descobrimos
que os hebreus, que também eram originalmente pastores nômades,
baseavam seu ano de doze meses (treze a cada três anos) no primeiro
aparecimento da lua nova, e realizavam todas as festas principais de
acordo com o calendário lunar. Como os árabes, começavam no
primeiro mês, Abib, moderno Nisan, com um festival da primavera,
coincidindo com o nascimento dos filhotes dos animais. Falamos aqui
da Páscoa, ainda hoje uma das três mais importantes festas do
calendário judaico. De acordo com o livro do Êxodo, o Pesah,
ou Passagem, comemora a noite que Yahweh “passou” sobre as casas
do hebreus para matar os primogênitos egípcios. De sua descrição
no livro do Êxodo, a origem do Pesah
claramente
evoluiu de um costume religioso arcaico semítico muito anterior, ao
qual aderiram os hebreus pré-mosaicos.
Como
as festividades do Pesah
eram
uma celebração noturna, que começava ao pôr-do-sol, culminava ao
alvorecer e era realizada na presença da deidade, elas só poderiam
ser identificadas com a lua cheia. Curiosamente, “a face de Yahweh”
e a “glória de Yahweh” são designações antigas da lua cheia.
O
principal animal imolado ao deus lunar na Arábia pré-islâmica era
o touro, tido por personificação do deus Sin, correspondendo a lua
crescente a seus chifres resplandescentes. Essa conexão entre a lua
a adoração ao touro também se reflete na religião hebraica, pois
no livro dos Números se diz que no 15º dia do sétimo mês (a lua
cheia coincidindo com o equinócio de outono) treze touros castrados
devem ser imolados a Yahweh, doze no segundo dia, onze no terceiro,
etc., até o sétimo dia, quando se devem imolar sete touros. Assim o
maior número de touros oferecidos em qualquer dia coincidiria com a
lua cheia, o número diminuindo conforme a lua minguava. Além disso,
treze é o número dos meses lunares em um ano; sete dias é um
quarto do ciclo lunar, ao passo que o número total de touros
imolados chega a setenta, o número de anciãos que Moisés permitiu
que subissem a Montanha de Yahweh.
Josias
tentou expurgar do Pentateuco elementos indesejáveis da fé original
de Yahweh, conforme praticada pelos edomitas, os filhos de Seir. Nas
partes onde não pôde remover sua conexão com os acontecimentos
bíblicos, eles foram denunciados como blasfemadores, idólatras e
asseclas de demônios dos seres diabólicos.
Montanha
da Lua
O
nome mandeano Sira ou Sera, da lua, é foneticamente tão semelhante
a Seir, o deus local que deu seu nome ao vale e à cadeia montanhosa
ao norte do Golfo de Aqaba, que não pode ser mera coincidência.
Sustentando esse vínculo está o fato de que tanto os nativos de
Harã quanto os mandeanos eram relacionados com os nabateanos, ou
nabateus, um povo falante de língua semítica que habitou o Seir do
século VI a.C. até a era do Império Romano. Ainda mais, sabe-se
que a grafia mandeana deriva do original nabateu,
demonstrando-se como o lugar chamado Seir pode muito bem ser uma
corruptela do mandeano “Sira”, ou “Sera”, ou vice-versa,
fazendo assim do monte Seir, como o monte Sinai, a “Montanha da
Lua”.
Parte II b: A Morada de “Deus”
Parte II-d: Yahweh na Cidade de Pedra