quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Egito, Êxodo e Deus: Parte I b: O profeta e o êxodo do Egito como não conhecemos

  Esta é uma pequena série de textos mostrando uma alternativa ao ponto de vista consensual sobre o êxodo do Egito, o Egito nessa época e a formação da religião judaica que por sua vez deu origem ao cristianismo e ao islamismo. Os textos serão divididos em duas partes. A primeira parte será dividida em quatro partes menores.
  Estes textos são uma espécie de resumo, trechos retirados do livro “TUTANCÂMON a verdade por trás do maior mistério da arqueologia” (título original: Mercy), de Andrew Collins e Chris Ogilvie-Herald, Editora Landscape, 2004. o livro é muito mais abrangente e detalhado do que mostrado aqui, com inúmeras referências e pontos de vista alternativos sobre os temas abordados. Nesse resumo suprimi as referências e adotei os pontos de vista escolhidos como mais prováveis e necessários para o desenvolvimento do raciocínio dos autores. Quaisquer dúvidas ou pedido de referências, podem comentar que responderei.
  Estes textos, obviamente, estão muito aquém do original, no entanto, conseguem mostrar satisfatoriamente que o que sabemos talvez não seja exatamente da forma que pensamos ser. Para todos que se interessam pelo Egito, religiões, História e pela incessante busca pela verdade.


  Parte I b: O profeta e o êxodo do Egito como não conhecemos:

  O Relato de Manetho

  O egiptólogo britânico Arthur Weigall, no livro Tutankhamen and Other Essays, se baseia nos escritos de Manetho de sebenitos, um escriba e sacerdote egípcio do templo de Heliópolis, no Baixo Egito, que se acredita ter escrito em sua língua grega nativa nada menos que oito livros, entre aproximadamente 280 e 250 a.C. Intitulada Aegyptiaca, ou história egípcia, não existe mais; porém, fragmentos da História de Manetho estão em uma obra intitulada Flavius Josephus contra Apion ou contra Apionem, escrita por Flávio Josefo (por volta de 37 a 97 d.C.), o escritor judeu que presenciou e depois registrou alguns dos eventos mais importantes da história judaica.

  O autor de longe mais significativo a ser atacado por Josefo em Contra Apionem foi Manetho que, como veremos a seguir, dizia que os judeus descendiam de leprosos. O relato apresenta um faraó chamado “Amenofis”, que, desejando ver os deuses (“como Orus, um de seus antecessores naquele reino, desejava o mesmo antes dele”), procurou o conselho de seu homônimo “Amenofis, filho de Papis”, um homem sábio com o “o conhecimento das coisas futuras”. Depois de ouvir o pedido do rei, Amenófis insistiu que a única maneira pela qual se poderia alcançar isso seria livrar o reino de todos os ”leprosos, e “pessoas impuras”. Assim, reuniram-se 80 mil indivíduos que foram enviados para as pedreiras, “na margem leste do Nilo”, onde trabalhavam segregados do resto da população egípcia. Dentre eles havia “alguns dos sacerdotes sábios contaminados pela lepra”.

  Apesar de sua fórmula para atender aos desejos do faraó, Amenosfis, filho de Papis, sentiu remorso pelo que tinha começado, pois, como Manetho registra:

  Amenófis, sábio e profeta, temia que os deuses se encolarizassem contra ele e o rei, se parecesse haver violência contra eles [ou seja, os “sacerdotes sábios”].

  Sabendo muito bem quais seriam as consequências de suas palavras, previu que “certas pessoas viriam ajudar esses pobres contaminados”, as quais deporiam o rei e permaneceriam no poder durante treze anos. Incapaz de suportar as consequências de tocar no assunto diante do rei, Amenófis registrou sua profecia antes de se matar.

  Tendo aprendido a lição com a morte de seu homônimo e as previsões que havia feito, Amenófis, o rei, resolveu corrigir o mal que havia feito expulsando os “leprosos” e as “pessoas impuras”. Eles haviam lhe suplicado que lhes desse um lugar para morar na cidade abandonada de Avaris, antigo lar dos hicsos, e lugar de culto a Tífon (ou seja, Set) desde tempos imemoriais. O rei consentiu que isso se fizesse. Também era ali que ficava a cidade de Pi-Ramesse e a cidade-armazém bíblica de Ramsés, identificada por Manfred Bietak et alli como Tell el-Dab`a, no Delta Oriental.

  Depois de ocupar a cidade, os “leprosos e impuros” usaram Avaris como base para revoltar-se e nomearam para si um líder “dentre os sacerdotes de Heliópolis”. Seu nome era Osarsiph, ou Osarsêph, e a ele o povo jurou obediência, tendo, como contrapartida, a confecção de novas leis que “se opunham frontalmente aos costumes egípcios”. Ele disse-lhes que “não adorassem deuses egípcios”, e que “se abstivessem de qualquer animal sagrado que tinham na mais alta estima, matando-os e destruindo-os”. Além disso, Osarsiph ordenou que eles “não se unissem senão àqueles que pertencessem a sua própria aliança.

  Esse Osarsiph, sacerdote de Heliópolis, falou ao “povo impuro”, dizendo-lhes que não devia mais trabalhar nas pedreiras. Em vez disso, deveriam construir muros em torno da cidade e prepara-se para uma guerra contra o rei Amenófis. Osarsiph, então, garantiu a “amizade” dos outros “sacerdotes e aqueles que estavam contaminados com eles”, e despachou embaixadores a “Jerusalém”, na esperança que pudessem persuadir os “pastores”, ou seja, os hicsos, a reunir-se para lutarem com eles. Antes, em Contra Apionem, Josefo havia relatado a história, narrada por Manetho, da expulsão do hicsos no governo do rei “Thummosis” ou “Amisis”, inquestionavelmente Ahmose, que reinou de 1575-1550 a.C., aproximadamente, dizendo que na sua volta para a Síria, ou seja, Canaã, eles haviam construído a cidade de Jerusalém. Isso apesar do fato de que no Velho Testamento Jerusalém só se tornou importante na tradição israelita quando as monarquias se unificaram sob Davi e Salomão, centenas de anos depois da era de Moisés. Em reconhecimento ao seu apoio, Osarsiph prometeu aos pastores que haviam sido forçados a abandonar depois de sua partida do Egito várias gerações antes, a cidade de Avaris.

  Depois de aceitar a oferta, cerca de 200 mil hicsos vieram ajudar Osarsiph, e juntos assumiram o controle do Egito. Amenófis, que havia reunido na cidade de Mênfis todos os animais sagrados, onde já se podia encontrar o touro Ápis, fugiu com o filho de cinco anos, sethos, e 300 mil de seus homens “mais valorosos” para a Etiópia, cujo rei “lhe devia favores”. Contudo, o “povo de Jerusalém” que havia se unido “ aos egípcios contaminados” começou a tratar os egípcios “de forma bárbara”:

  […] aqueles que viam como eles haviam subjugado o país acima (ou seja, o Egito) e as maldades horrendas que haviam praticado, consideraram esse evento uma coisa monstruosa,; pois eles não só atearam fogo às cidades e aldeias, como também se tornaram culpados de sacrilégio, destruindo as imagens dos deuses e usando-as para assar os animais sagrados que antes eram venerados, obrigando os sacerdotes e profetas a se tornarem seus executores e assassinos, depois os expulsando do país sem sequer a roupa do corpo. Também relatou-se que o sacerdote que lhes fornecia as diretrizes e as leis era natural de Heliópolis. Mas quando ele começou a liderar aquele povo, mudou de nome, e passou a chamar-se Moisés.

  Após 13 anos no exílio, Amenófis reuniu seu exército, e com a ajuda de um segundo exército reunido por seu filho, “Rhampses” (antes “Sethos, também chamado Ramsés, devido a seu pai Rhampses), voltou ao Egito e “batalhou contra os pastores e os impuros, vencendo-os, chacinando muitos e perseguindo-os até as fronteiras da Síria.

  Na opinião de Weigall, não resta dúvida de que o reinado de treze anos de Osarsiph-Moisés correspondia “aos treze anos da heresia de Aton em Tel-el-Amarna”. Em sua opinião,

  Os 80 mil impuros, que são, ao meu ver, os seguidores de Aton, e sua remoção para as pedreiras na margem leste do Nilo correspondem de forma impressionante à transferência histórica da capital inteira de Aquenaton de Tebas para Tel-elAmarna.

  Weigall supôs, corretamente que, como Horemheb fez seu reinado retroceder até a morte de Amenófis III, isso explicaria porque Manetho via todos esses eventos como ocorridos durante o reinado de um único rei, Amenófis, que se baseia vagamente no pai de Aquenaton, Amenófis III..

  Sabendo que o líder dos “impuros” e asiáticos era um sacerdote egípcio de Heliópolis que mudou o nome para Moisés, Weigall propôs que ele teria nascido “no reinado de Amenófis III, e que, como o Moisés da tradição bíblica, fugiu para a terra de Madiã no reinado de Aquenaton”. Assim, suspeitava “que Tutancâmon teria sido o faraó durante cujo reinado Moisés voltou ao Egito e organizou o êxodo de seus compatriotas cativos”.


  Hecataeus de Abdera

  Com toda a probabilidade, o material que serviu de fonte ao moisés de Manetho veio de bibliotecas de Heliópolis. Contudo, uma possível influência vem de uma obra composta uma geração ou duas antes pelo historiador grego Hecateu de Abdera. Em 320 a.C., apenas 12 anos depois que Alexandre o Grande comemorou sua entrada no Egito, Hecateu ficou na corte do primeiro rei helênico, Ptolomeu I, e depois escreveu sua própria Aegyptiaca, história do Egito. Embora essa narrativa não exista mais, fragmentos dela foram citados por Siculus ou Diodorus da Sicília (aprox. 8 a.C.) em sua obra Bibliotheca Historica, a Biblioteca da História.

  Muito embora Manetho não mencione a obra de Hecateu, sabe-se que ambos devem ter se inspirado em material semelhante para compor suas narrativas. De acordo com Diodoro, é assim que Hecateu apresenta a história do êxodo:

  Quando, antigamente, uma peste devastou o Egito, as pessoas comuns atribuíram seus problemas a intervenção divina; pois na verdade viviam entre eles muitos estrangeiros de todos os tipos, praticando diversos tipos de religião e sacrifícios, e seus ritos tradicionais em honra dos deuses haviam caído em desuso.

  Assim, ao serem expulsos do país, os estrangeiros são obrigados a encontrar um novo lar. Alguns, sob a liderança de Danaus e Cadmo, terminam por colonizar a Grécia, enquanto outro grupo, liderado por Moisés, coloniza a Judéia, ou seja, a Palestina, que na época se dizia ser “desabitada”. Depois eles fundaram a cidade de Jerusalém.



  O Moisés de Apião

  Embora não tenham havido ocorrências anteriores de sobrevivência da narrativa de Osarsiph-Moisés, existem várias versões posteriores a Manetho, algumas contendo variações interessantes da vida de Moisés. Dentre elas está o relato feito pelo gramático grego do primeiro século depois de Cristo, Apião de Alexandria. Ele deixou algumas afirmativas notáveis relativas a Moisés, o Egípcio, em sua própria Aegyptiaca, agora desaparecida; incluídas em seu Contra Apionem. De acordo com Apião:

  já ouvi falar, dos antigos egípcios, que Moisés era de Heliópolis, e que ele se considerava responsável por seguir os costumes de seus ancestrais, e fazia suas preces ao ar livre, diante das muralhas da cidade; mas ele as limitava ao nascer do sol, que era favorável à situação de Heliópolis; ele também construiu pilares em vez de gnômons (obeliscos) […]

  Como Manetho, antes dele, Apião prossegue declarando que esse sábio uniu os “leprosos” e os “impuros” contra o poder do faraó que governava o Egito, e por isso foram expulsos do país. Uma vez mais, lemos que Moisés não era israelita, mas um sacerdote que obviamente ocupava um alto posto no clero de Heliópolis. Além disso, recebemos a informação de que ele adotou uma nova forma de adoração ao sol “agradável” a Heliópolis, o lugar de culto ao deus sol Rá, lugar pelo qual abaixou os muros da cidade o suficiente para que o sol matinal pudesse ser saldado todos os dias.


  O culto de Heliópolis

  Parece não restar dúvida que, ao falar de Moisés, Apião está de fato recordando a revolução religiosa que ocorreu durante o reinado de Aquenaton. Ao subir ao trono como Amenófis IV, Aquenaton proclamou-se o Primeiro Profeta do Aton. Apesar disso, o onipotente Aton não era conhecido exclusivamente por esse nome até o ano nove de seu reinado. Antes dessa época, também levava o título de Rá-Harachte, “Hórus no Horizonte”. Esse era um aspecto com cabeça de falcão do deus-sol Rá, que encarnava os dois aspectos do horizonte duplo – o disco solar no oeste ao pôr-do-sol, e no leste como nascer do sol.

  Aquenaton defendia o culto heliopolitano ao deus Rá, adotando no início de seu reinado seus princípios religiosos, títulos sacerdotais e métodos de adoração, que incluíam, conforme Apião, a construção de templos ao ar livre nos quais o sol seria saudado todas as manhãs. Inscrições do reinado de Aquenaton falam de Rá como a luz oculta do Aton, ao passo que, no templo de Aton em Karnak, Rá-herachte era retratado em sua forma de deus masculino, com a cabeça de falcão tendo acima de si o disco solar.

  Como o Osarsiph-Moisés de Manetho, Aquenaton proibia a adoração aos ídolos e a veneração de animais sagrados. Por exemplo, em seu reinado não se enterraram bois Ápis no Serapeu, ou Serapeum, na necrópole de Mênfis, em Saqqara, indicação segura de que ele pusera de lado essa tradição milenar. Ela só retornou no reinado de Tutancâmon.

  Por último, falemos da fascinação de Aquenaton com a pedra benben, talvez o mais importante objeto de culto na tradição heliopolitana. Essa pedra sagrada de formato cônico, um objeto piramidal, ou escalonado, originalmente colocado sobre um pedestal em praça aberta em Heliópolis, conhecida como a Casa de Benben ou a Casa da Fênix. A fascinação sem precedentes de Aquenaton pela pedra benben, que na cosmologia egípcia antiga simbolizava o Ponto Primordial, ou sep tepi (também conhecido como zep tepi), o lugar onde ocorreu o Primeiro Tempo, ou Primeira Era, aparentemente explicaria porque Apião declarou que Moisés “erigia pilares em vez de gnômons”.


  Se há um período, mais do que qualquer outro, que se pode considerar que reflete os eventos que cercaram o êxodo bíblico, esse é a era de Amarna – não o reinado de Ramsés II ou de seu filho Merneptah. Tal conclusão combina perfeitamente com os fatos que temos à nossa disposição, mesmo que outros períodos da história egípcia tenham contribuído para a narrativa apresentada no livro do êxodo.



  O culto ao disco solar

  De acordo com os fragmentos que restaram da Aegyptiaca de Manetho, Osarsiph-Moisés, o líder eleito dos “leprosos” e “impuros” criou novas leis e costumes contrários ao Egito. Não resta dúvida que esses mandamentos imitam a maneira pela qual Aquenaton proibia a adoração a qualquer deus que não fosse a deidade simbolizada pelo disco solar Aton, ou Aten e, como Manetho declara, ativamente “destruía as imagens dos deuses”.


  Manetho registra também que Osarsiph -Moisés ordenou a seus seguidores que “só se unissem àqueles que pertencessem a sua própria aliança”. Será que isso reflete a forma pela qual Aquenaton defendia a veneração a um só e transferiu a sede do poder de Tebas para a cidade nova de Aquenaton(“horizonte de Aton”), que estava em construção na margem leste do Nilo, 277km rio abaixo? É provável que um imenso número de pessoas, em especial as ligadas ao clero, tenham encarado o Aton como algum tipo de novo salvador divino que garantiria paz e prosperidade ao Egito para toda a eternidade; mas diante do que ocorreu depois, ficou bem claro para eles que estavam totalmente errados.


Parte I a: O faraó monoteísta e um panorama sobre o Egito à época do êxodo
Parte I c: O messias egípcio; e o fim do faraó monoteísta

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