Esta é uma pequena série de textos
mostrando uma alternativa ao ponto de vista consensual sobre o êxodo
do Egito, o Egito nessa época e a formação da religião judaica
que por sua vez deu origem ao cristianismo e ao islamismo. Os textos
serão divididos em duas partes. A primeira parte será dividida em
quatro partes menores.
Estes textos são
uma espécie de resumo, trechos retirados do livro “TUTANCÂMON a
verdade por trás do maior mistério da arqueologia” (título
original: Mercy), de Andrew Collins e Chris Ogilvie-Herald, Editora
Landscape, 2004. o livro é muito mais abrangente e detalhado do que
mostrado aqui, com inúmeras referências e pontos de vista
alternativos sobre os temas abordados. Nesse resumo suprimi as
referências e adotei os pontos de vista escolhidos como mais
prováveis e necessários para o desenvolvimento do raciocínio dos
autores. Quaisquer dúvidas ou pedido de referências, podem comentar
que responderei.
Estes textos,
obviamente, estão muito aquém do original, no entanto, conseguem
mostrar satisfatoriamente que o que sabemos talvez não seja
exatamente da forma que pensamos ser. Para todos que se interessam pelo
Egito, religiões, História e pela incessante busca pela verdade.
Parte I b: O profeta e o
êxodo do Egito como não conhecemos:
O Relato de Manetho
O egiptólogo
britânico Arthur Weigall, no livro Tutankhamen and Other Essays, se
baseia nos escritos de Manetho de sebenitos, um escriba e sacerdote
egípcio do templo de Heliópolis, no Baixo Egito, que se acredita
ter escrito em sua língua grega nativa nada menos que oito livros,
entre aproximadamente 280 e 250 a.C. Intitulada Aegyptiaca, ou
história egípcia, não existe mais; porém, fragmentos da História
de Manetho estão em uma obra intitulada Flavius Josephus contra
Apion ou contra Apionem, escrita por Flávio Josefo (por volta de 37
a 97 d.C.), o escritor judeu que presenciou e depois registrou alguns
dos eventos mais importantes da história judaica.
O autor de longe mais
significativo a ser atacado por Josefo em Contra Apionem foi Manetho
que, como veremos a seguir, dizia que os judeus descendiam de
leprosos. O relato apresenta um faraó chamado “Amenofis”, que,
desejando ver os deuses (“como Orus, um de seus antecessores
naquele reino, desejava o mesmo antes dele”), procurou o conselho
de seu homônimo “Amenofis, filho de Papis”, um homem sábio com
o “o conhecimento das coisas futuras”. Depois de ouvir o pedido
do rei, Amenófis insistiu que a única maneira pela qual se poderia
alcançar isso seria livrar o reino de todos os ”leprosos, e
“pessoas impuras”. Assim, reuniram-se 80 mil indivíduos que
foram enviados para as pedreiras, “na margem leste do Nilo”, onde
trabalhavam segregados do resto da população egípcia. Dentre eles
havia “alguns dos sacerdotes sábios contaminados pela lepra”.
Apesar de sua fórmula
para atender aos desejos do faraó, Amenosfis, filho de Papis, sentiu
remorso pelo que tinha começado, pois, como Manetho registra:
Amenófis, sábio e
profeta, temia que os deuses se encolarizassem contra ele e o rei,
se parecesse haver violência contra eles [ou seja, os “sacerdotes
sábios”].
Sabendo muito bem
quais seriam as consequências de suas palavras, previu que “certas
pessoas viriam ajudar esses pobres contaminados”, as quais deporiam
o rei e permaneceriam no poder durante treze anos. Incapaz de
suportar as consequências de tocar no assunto diante do rei, Amenófis
registrou sua profecia antes de se matar.
Tendo aprendido a
lição com a morte de seu homônimo e as previsões que havia feito,
Amenófis, o rei, resolveu corrigir o mal que havia feito expulsando
os “leprosos” e as “pessoas impuras”. Eles haviam lhe
suplicado que lhes desse um lugar para morar na cidade abandonada de
Avaris, antigo lar dos hicsos, e lugar de culto a Tífon (ou seja,
Set) desde tempos imemoriais. O rei consentiu que isso se fizesse.
Também era ali que ficava a cidade de Pi-Ramesse e a cidade-armazém
bíblica de Ramsés, identificada por Manfred Bietak et alli como
Tell el-Dab`a, no Delta Oriental.
Depois de ocupar a
cidade, os “leprosos e impuros” usaram Avaris como base para
revoltar-se e nomearam para si um líder “dentre os sacerdotes de
Heliópolis”. Seu nome era Osarsiph, ou Osarsêph, e a ele o povo
jurou obediência, tendo, como contrapartida, a confecção de novas
leis que “se opunham frontalmente aos costumes egípcios”. Ele
disse-lhes que “não adorassem deuses egípcios”, e que “se
abstivessem de qualquer animal sagrado que tinham na mais alta
estima, matando-os e destruindo-os”. Além disso, Osarsiph ordenou
que eles “não se unissem senão àqueles que pertencessem a sua
própria aliança.
Esse Osarsiph,
sacerdote de Heliópolis, falou ao “povo impuro”, dizendo-lhes
que não devia mais trabalhar nas pedreiras. Em vez disso, deveriam
construir muros em torno da cidade e prepara-se para uma guerra
contra o rei Amenófis. Osarsiph, então, garantiu a “amizade”
dos outros “sacerdotes e aqueles que estavam contaminados com
eles”, e despachou embaixadores a “Jerusalém”, na esperança
que pudessem persuadir os “pastores”, ou seja, os hicsos, a
reunir-se para lutarem com eles. Antes, em Contra Apionem, Josefo
havia relatado a história, narrada por Manetho, da expulsão do
hicsos no governo do rei “Thummosis” ou “Amisis”,
inquestionavelmente Ahmose, que reinou de 1575-1550 a.C.,
aproximadamente, dizendo que na sua volta para a Síria, ou seja,
Canaã, eles haviam construído a cidade de Jerusalém. Isso apesar
do fato de que no Velho Testamento Jerusalém só se tornou
importante na tradição israelita quando as monarquias se unificaram
sob Davi e Salomão, centenas de anos depois da era de Moisés. Em
reconhecimento ao seu apoio, Osarsiph prometeu aos pastores que
haviam sido forçados a abandonar depois de sua partida do Egito
várias gerações antes, a cidade de Avaris.
Depois de aceitar a
oferta, cerca de 200 mil hicsos vieram ajudar Osarsiph, e juntos
assumiram o controle do Egito. Amenófis, que havia reunido na cidade
de Mênfis todos os animais sagrados, onde já se podia encontrar o
touro Ápis, fugiu com o filho de cinco anos, sethos, e 300 mil de
seus homens “mais valorosos” para a Etiópia, cujo rei “lhe
devia favores”. Contudo, o “povo de Jerusalém” que havia se
unido “ aos egípcios contaminados” começou a tratar os egípcios
“de forma bárbara”:
[…] aqueles que viam
como eles haviam subjugado o país acima (ou seja, o Egito) e as
maldades horrendas que haviam praticado, consideraram esse evento
uma coisa monstruosa,; pois eles não só atearam fogo às cidades e
aldeias, como também se tornaram culpados de sacrilégio,
destruindo as imagens dos deuses e usando-as para assar os animais
sagrados que antes eram venerados, obrigando os sacerdotes e profetas
a se tornarem seus executores e assassinos, depois os expulsando do
país sem sequer a roupa do corpo. Também relatou-se que o
sacerdote que lhes fornecia as diretrizes e as leis era natural de
Heliópolis. Mas quando ele começou a liderar aquele povo, mudou de
nome, e passou a chamar-se Moisés.
Após 13 anos no
exílio, Amenófis reuniu seu exército, e com a ajuda de um segundo
exército reunido por seu filho, “Rhampses” (antes “Sethos,
também chamado Ramsés, devido a seu pai Rhampses), voltou ao Egito
e “batalhou contra os pastores e os impuros, vencendo-os,
chacinando muitos e perseguindo-os até as fronteiras da Síria.
Na opinião de
Weigall, não resta dúvida de que o reinado de treze anos de
Osarsiph-Moisés correspondia “aos treze anos da heresia de Aton em
Tel-el-Amarna”. Em sua opinião,
Os 80 mil impuros, que
são, ao meu ver, os seguidores de Aton, e sua remoção para as
pedreiras na margem leste do Nilo correspondem de forma
impressionante à transferência histórica da capital inteira de
Aquenaton de Tebas para Tel-elAmarna.
Weigall supôs,
corretamente que, como Horemheb fez seu reinado retroceder até a
morte de Amenófis III, isso explicaria porque Manetho via todos
esses eventos como ocorridos durante o reinado de um único rei,
Amenófis, que se baseia vagamente no pai de Aquenaton, Amenófis
III..
Sabendo que o líder
dos “impuros” e asiáticos era um sacerdote egípcio de
Heliópolis que mudou o nome para Moisés, Weigall propôs que ele
teria nascido “no reinado de Amenófis III, e que, como o Moisés
da tradição bíblica, fugiu para a terra de Madiã no reinado de
Aquenaton”. Assim, suspeitava “que Tutancâmon teria sido o faraó
durante cujo reinado Moisés voltou ao Egito e organizou o êxodo de
seus compatriotas cativos”.
Hecataeus de Abdera
Com toda a
probabilidade, o material que serviu de fonte ao moisés de Manetho
veio de bibliotecas de Heliópolis. Contudo, uma possível influência
vem de uma obra composta uma geração ou duas antes pelo historiador
grego Hecateu de Abdera. Em 320 a.C., apenas 12 anos depois que
Alexandre o Grande comemorou sua entrada no Egito, Hecateu ficou na
corte do primeiro rei helênico, Ptolomeu I, e depois escreveu sua
própria Aegyptiaca, história do Egito. Embora essa narrativa
não exista mais, fragmentos dela foram citados por Siculus ou
Diodorus da Sicília (aprox. 8 a.C.) em sua obra Bibliotheca
Historica, a Biblioteca da História.
Muito embora Manetho
não mencione a obra de Hecateu, sabe-se que ambos devem ter se
inspirado em material semelhante para compor suas narrativas. De
acordo com Diodoro, é assim que Hecateu apresenta a história do
êxodo:
Quando, antigamente,
uma peste devastou o Egito, as pessoas comuns atribuíram seus
problemas a intervenção divina; pois na verdade viviam entre eles
muitos estrangeiros de todos os tipos, praticando diversos tipos de
religião e sacrifícios, e seus ritos tradicionais em honra dos
deuses haviam caído em desuso.
Assim, ao serem
expulsos do país, os estrangeiros são obrigados a encontrar um novo
lar. Alguns, sob a liderança de Danaus e Cadmo, terminam por
colonizar a Grécia, enquanto outro grupo, liderado por Moisés,
coloniza a Judéia, ou seja, a Palestina, que na época se dizia ser
“desabitada”. Depois eles fundaram a cidade de Jerusalém.
O Moisés de Apião
Embora não tenham
havido ocorrências anteriores de sobrevivência da narrativa de
Osarsiph-Moisés, existem várias versões posteriores a Manetho,
algumas contendo variações interessantes da vida de Moisés. Dentre
elas está o relato feito pelo gramático grego do primeiro século
depois de Cristo, Apião de Alexandria. Ele deixou algumas
afirmativas notáveis relativas a Moisés, o Egípcio, em sua
própria Aegyptiaca, agora desaparecida; incluídas em seu Contra
Apionem. De acordo com Apião:
já ouvi falar, dos
antigos egípcios, que Moisés era de Heliópolis, e que ele se
considerava responsável por seguir os costumes de seus ancestrais,
e fazia suas preces ao ar livre, diante das muralhas da cidade; mas
ele as limitava ao nascer do sol, que era favorável à situação de
Heliópolis; ele também construiu pilares em vez de gnômons
(obeliscos) […]
Como Manetho, antes
dele, Apião prossegue declarando que esse sábio uniu os “leprosos”
e os “impuros” contra o poder do faraó que governava o Egito, e
por isso foram expulsos do país. Uma vez mais, lemos que Moisés não
era israelita, mas um sacerdote que obviamente ocupava um alto posto
no clero de Heliópolis. Além disso, recebemos a informação de que
ele adotou uma nova forma de adoração ao sol “agradável” a
Heliópolis, o lugar de culto ao deus sol Rá, lugar pelo qual
abaixou os muros da cidade o suficiente para que o sol matinal
pudesse ser saldado todos os dias.
O culto de Heliópolis
Parece não restar
dúvida que, ao falar de Moisés, Apião está de fato recordando a
revolução religiosa que ocorreu durante o reinado de Aquenaton. Ao
subir ao trono como Amenófis IV, Aquenaton proclamou-se o Primeiro
Profeta do Aton. Apesar disso, o onipotente Aton não era conhecido
exclusivamente por esse nome até o ano nove de seu reinado. Antes
dessa época, também levava o título de Rá-Harachte, “Hórus no
Horizonte”. Esse era um aspecto com cabeça de falcão do deus-sol
Rá, que encarnava os dois aspectos do horizonte duplo – o disco
solar no oeste ao pôr-do-sol, e no leste como nascer do sol.
Aquenaton defendia o
culto heliopolitano ao deus Rá, adotando no início de seu reinado
seus princípios religiosos, títulos sacerdotais e métodos de
adoração, que incluíam, conforme Apião, a construção de templos
ao ar livre nos quais o sol seria saudado todas as manhãs.
Inscrições do reinado de Aquenaton falam de Rá como a luz oculta
do Aton, ao passo que, no templo de Aton em Karnak, Rá-herachte era
retratado em sua forma de deus masculino, com a cabeça de falcão
tendo acima de si o disco solar.
Como o Osarsiph-Moisés
de Manetho, Aquenaton proibia a adoração aos ídolos e a veneração
de animais sagrados. Por exemplo, em seu reinado não se enterraram
bois Ápis no Serapeu, ou Serapeum, na necrópole de Mênfis, em
Saqqara, indicação segura de que ele pusera de lado essa tradição
milenar. Ela só retornou no reinado de Tutancâmon.
Por último, falemos da fascinação de Aquenaton
com a pedra benben, talvez o mais importante objeto de culto
na tradição heliopolitana. Essa pedra sagrada de formato cônico,
um objeto piramidal, ou escalonado, originalmente colocado sobre um
pedestal em praça aberta em Heliópolis, conhecida como a Casa de
Benben ou a Casa da Fênix. A fascinação sem precedentes de
Aquenaton pela pedra benben, que na cosmologia egípcia antiga
simbolizava o Ponto Primordial, ou sep tepi (também conhecido
como zep tepi), o lugar onde ocorreu o Primeiro Tempo, ou
Primeira Era, aparentemente explicaria porque Apião declarou que
Moisés “erigia pilares em vez de gnômons”.
Se há um período, mais do que qualquer outro,
que se pode considerar que reflete os eventos que cercaram o êxodo
bíblico, esse é a era de Amarna – não o reinado de Ramsés II ou
de seu filho Merneptah. Tal conclusão combina perfeitamente com os
fatos que temos à nossa disposição, mesmo que outros períodos da
história egípcia tenham contribuído para a narrativa
apresentada no livro do êxodo.
O culto ao disco solar
De acordo com os fragmentos que restaram da
Aegyptiaca de Manetho, Osarsiph-Moisés, o líder eleito dos
“leprosos” e “impuros” criou novas leis e costumes contrários
ao Egito. Não resta dúvida que esses mandamentos imitam a maneira
pela qual Aquenaton proibia a adoração a qualquer deus que não
fosse a deidade simbolizada pelo disco solar Aton, ou Aten e, como
Manetho declara, ativamente “destruía as imagens dos deuses”.
Manetho registra também que Osarsiph -Moisés
ordenou a seus seguidores que “só se unissem àqueles que
pertencessem a sua própria aliança”. Será que isso reflete a
forma pela qual Aquenaton defendia a veneração a um só e
transferiu a sede do poder de Tebas para a cidade nova de
Aquenaton(“horizonte de Aton”), que estava em construção na
margem leste do Nilo, 277km rio abaixo? É provável que um imenso
número de pessoas, em especial as ligadas ao clero, tenham encarado
o Aton como algum tipo de novo salvador divino que garantiria
paz e prosperidade ao Egito para toda a eternidade; mas diante do
que ocorreu depois, ficou bem claro para eles que estavam totalmente
errados.
Parte I a: O faraó monoteísta e um panorama sobre o Egito à época do êxodo
Parte I c: O messias egípcio; e o fim do faraó monoteísta
Parte I a: O faraó monoteísta e um panorama sobre o Egito à época do êxodo
Parte I c: O messias egípcio; e o fim do faraó monoteísta
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