sexta-feira, 5 de julho de 2013

The Walking Dead e a "História humana"

  Comecei a assistir a série The Walking Dead com um pé atrás: um monte de zumbis atacando pessoas que ficam matando esses zumbis. Na verdade, é bem isso, mesmo; essa é a premissa da história. Mas então, por que um enredo tão "batido" chamaria  e prenderia a atenção de tantas pessoas (me incluo nessa) por tanto tempo? A resposta é: de simples tem apenas a roupagem, que realmente aproveitou a moda de zumbis, além do sangue, mortes e violência que costumam atrair uma boa quantidade de público.

  Há uma teia social muito bem estruturada entrelaçando os personagens, com perfis psicológicos distintos, bem definidos, complexos e ao mesmo tempo caricatos (me lembra um pouco, mantendo as devidas proporções, os personagens da turma do Charlie Brown, onde cada um aparenta um perfil psicológico distinto que podia ser remetido a algum problema psicológico específico) e que se desenvolvem com o desenrolar da história. Mas isso ainda está no raso da coisa (segundo minha análise). Acho que dificilmente apenas esses aspectos resultariam no estrondoso sucesso da série. A grande sacada está nos fatores sociopolíticos que permeiam o universo de The walking dead; um mundo que, de certa forma, conta momentos diversos da história da sociedade humana sob a perspectiva desses fatores. Muitas pessoas provavelmente se sentem atraídas pela série – ou os quadrinhos, que deram origem a série, os quais ainda não li – e não se dão conta do porquê, não percebem a profundidade existente e acabam por não aproveitar tanto quanto poderiam. Não que a premissa seja toda original: nos jogos de videogame da série Fallout, por exemplo, nos é apresentado um mundo pós-apocalíptico onde formam-se diferentes grupos sob diferentes formas de governo e relações sociais. Mas talvez The Walking Dead seja o primeiro a fazer isso na televisão e com tanta qualidade técnica.

  Mas quais fatores sociopolíticos são esses que remontam alguns pontos da história humana? São as formas como os diferentes grupos sociais se organizam dentro desse mundo pós-apocalíptico. A começar, esse mundo põem o homem num estágio “primitivo”, como se tivesse acabado de sair do estado de natureza - como argumentavam os pensadores naturalistas. Inicialmente há divisão de trabalho entre homens e mulheres – aqui faço uma observação: acho natural tal divisão em um mundo “primitivo”; o homem por natureza é mais forte, fisicamente, que a mulher, portanto é natural que eles realizem os trabalhos que demandem força e risco. Isso não é uma divisão preconceituosa de trabalho, mas sim de aptidões -, mas por causa da situação extrema em que se encontram, rodeados de zumbis sedentos por carne e outros grupos muitas vezes hostis (pra dizer o mínimo), todos são forçados – por fatores externos: Durkheim - a desenvolverem e aplicarem da melhor forma habilidades comuns a todos e necessárias à sobrevivência.

  A visão mais comum desse mundo remete à hobbeniana – o homem é o lobo do homem. A ausência de leis para manter a ordem e uma sociedade egoísta, onde as pessoas são altamente individualistas, faz com que conflitos surjam constantemente. Daí a necessidade se formarem organizações sociais e formas de governo que atendam às necessidades distintas de cada grupo. Também vemos microcosmos sociais onde todos são bons e trabalham para o bem de todos - Rosseau; grupos que vivem em paz mas decidem por um líder para a manutenção dessa paz diante da hostilidade encontrada na “natureza”- Locke -, porém, esse grupo acaba nas mãos de um homem carismático, com um exército fortemente armado, governando com mão de ferro e grande foco em auto-publicidade - fascismo. Ele age visando os objetivos que pensa serem os melhores para essa sociedade, passando por cima seja do que ou de quem for - Maquiavel.

  Nessa “terra-de-ninguém”, os indivíduos mais egoístas tem mais dificuldade em se organizar e tentam a todo custo reaver um modo de vida que seja o mais próximo do sistema capitalista, agora inexistente. Os indivíduos mais altruístas conseguem se organizar mais rapidamente e têm mais facilidade em manter a paz interna do grupo.

  The walking Dead é uma crítica à sociedade atual, como mostram muitas análises que podem ser encontradas pela internet, mas também uma aula sobre a humanidade, sob um contexto muito mais abrangente. Isso sem tocar nos aspectos psicológicos, sobre os quais não possuo conhecimento suficiente para discorrer muito a respeito. Quem não parou para analisar a série além de seus aspectos técnicos, talvez agora possa aproveitá-la com um olhar um pouco mais profundo, ao se deter a esses “detalhes”, que se encontram tão fundo na série.