quarta-feira, 15 de junho de 2011

O que te segura

 - Não vou poder sair nesse fim de semana. Tenho duas provas na segunda-feira e nem comecei a estudar ainda. To quase entrando em desespero com essa falta de tempo.

 - Por que você se desespera? Qual é sua âncora? O que te faz permanecer no mundo? Quem ou o que segura a linha que mantém seu corpo preso à vida?

 - O que você quer dizer?

 - Acho que todo mundo precisa de algo assim, para manter seus pés no chão, ou pelo menos te segurar um pouco para não se perder. E quando você se percebe quase solto, com a impressão de que a linha que te segura é extremamente fina, e que você não tem ainda certeza absoluta do quão forte são as mãos que a seguram? Ou que você não tem muita noção do próprio peso que pode ter nessas mãos?

 - Acho que todos criam suas linhas, consciente ou inconscientemente. Você não tem uma?

 - Sim. Mas é bem desagradável acordar quase todos os dias, sentindo que a linha pode arrebentar a qualquer momento, que os elos da âncora possam se romper e te deixar à deriva. Porque aí basta um sopro, uma brisa um pouco mais forte, uma onda um pouco mais violenta, pra te levar pra longe, para a exosfera e além. Lembro-me de certo dia:

 - Eu saí do quarto, cheio de gente jogando videogame. Passei pelo corredor, fui até a janela da sala e fiquei olhando por ela. Eu achava linda aquela vista. Os holofotes iluminando o prédio em frente, de cima a baixo. O céu todo negro, o asfalto e as arvores na calçada sendo iluminados pela luz branca que vinha das lâmpadas dos postes. A brisa refrescante entrando pela janela. E aquele sentimento de saudade e nostalgia em mim, que eu nem sei direito do que era. Ela se aproximou e se encostou ao meu lado. Eu, com os braços cruzados sobre a janela, segurei sua mão, que também estava sobre a janela e cruzada sobre seu braço. Ela disse: “O que foi? Por que você está assim?”. Eu respondi: “Você sabe por quê. Ah, nada.” A verdade é que ela era minha âncora no momento. Percebe que situação de desespero? Se ancorar em algo que não foi, não é e nunca será seu? Eu sabia que não era o primeiro, e que também não seria o último. Ouvi alguém se aproximando e me afastei dela e da janela, e fui em direção a cozinha. Era o namorado dela, que a abraçou, e depois eu já estava colocando conhaque no meu copo.

 Continuo:

 - Sinto cansaço, de tudo. Não sou contra a filosofia de que a vida é um grande ciclo. Mas o meu parece tão repetitivo nesse aspecto, de perder o objetivo. Meu objetivo de certa forma nunca é um fim, é sempre o meio. O objetivo torna-se sua própria manutenção. Um ciclo – esse sim – que eu acho que não deveria terminar tantas vezes, porque começá-lo de novo, de novo e de novo, é um grande pé no saco.

 - E você se sente começando de novo?

 - Sinto. Mas sabe aquela impressão de ato final? Então. É assim que sinto. Sinto-me sem mais linhas ou elos reservas. Tudo se desvanecendo e eu junto com esse tudo. Só resta essa linha, que eu não consigo ver a espessura, mas a vejo brilhar bastante, mesmo olhando de longe. E estou me agarrando a ela, aos poucos, mas cada vez mais forte, e puxando meus pés de volta ao chão.

 - Isso não é egoísta? Usar alguém assim como ancora? Jogar todo esse peso sobre alguém? Você mesmo deveria se sustentar.

 - Mas sou assim, e não é injusto, é uma troca. Proteção em troca de proteção, apoio em troca de apoio. Pois enquanto eu conseguir me manter de pé, farei sempre o possível por quem me segura, carregaria seu peso sobre minhas costas todos os dias que preciso fosse. Mas meu próprio peso, sozinho, infelizmente não consigo levar. Vai ver, eu realmente existo pra proteger, então esse deve ser o egoísmo mais altruísta que existe.

 - Acho que você tem problema.

 - Pode ser.

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