sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Rachel Sheherazade: The Punisher brasileira

 Parece-me que a explicação mais lógica para as declarações de Rachel Sheherazade e seus seguidores é o desconhecimento, ou conceitos e premissas errôneas, sobre o direito brasileiro - sem entrarmos na questão de sua inteligência, ou falta dela.

 Algumas declarações da moça:
  • Em nenhum momento, no meu comentário, há qualquer menção de apoio à violência praticada pelos justiceiros. Não disse que a atitude deles foi "aceitável" disse que foi "compreensível"
 No telejornal, em certo ponto, ela declarou: "O contra-ataque aos bandidos é o que chamo de legítima defesa coletiva de uma sociedade sem Estado contra um estado de violência sem limite". Legítima defesa significa que não só é compreensível como também necessário; acho que isso está muito mais para apoio do que aceitação. E não sei como ela pode chamar um ataque de legítima defesa! Não há como seriamente chamar um linchamento de legítima defesa sem parecer idiota.
  • Quem é o PSOL para me censurar, se a Constituição Brasileira me garante o direito de livre expressão?
 Calma lá...  Há direitos e Direitos. O seu direito à livre expressão nunca lhe dará o direito de fazer apologia ao crime e disseminar discursos de ódio.
  • Se a legenda acha que faço apologia ao crime, me processe. Quem anda com a verdade, não teme a Justiça.
 Ah, é? Mais ou menos. Porque onde o "Estado é omisso, a polícia é desmoralizada, a Justiça é falha", suas atitudes podem muito bem passar impunes diante da Justiça formal, mas nada impede -segundo o ponto de vista da jornalista- que pessoas de bem, que não aguentam mais essa falta de respeito por parte do Estado, façam "justiça" com as próprias mãos e a pendurem em um poste depois de a lincharem por seus crimes de ódio.

 Salvo engano, em outro comentário a jornalista dizia que o povo estava em seu direito, pois todo cidadão tem direito de prisão. Isso é uma das coisas que me faz ter quase certeza que essa mulher é uma oportunista manipuladora sem escrúpulos. Qualquer cidadão tem direito de prisão, sim, mas é em flagrante delito; e o linchamento nunca está liberado. Mas ela não fala isso pra ninguém. Por que será?...

  E não se trata aqui de direita ou esquerda -apesar de que, de certo modo, se você é um reacionário, você não quer que as coisas mudem, aí fica meio contraditório reclamar de como as coisas estão- mas sim de um movimento retrógrado. Foram milhares de ano até que o Direito se tornasse mais justo e civilizado e vem uma jornalista cheia de ódio incitar o povo a abandonar toda esse trabalho e voltar aos tempos das cavernas.

 A jornalista não entende que os direitos que defendem o "marginalzinho" a defendem também. Se podemos negar-lhe esses direitos podemos negar a ela e aos "cidadãos de bem". Se podemos escolher a quem o direito se aplica ou não, isso é tudo o que o Estado precisa para criar um governo autoritário que pune quem quiser de acordo com sua vontade. Como eu disse, foram milhares de anos para o Direito se encontrar na sua atual configuração, não é algo aleatório, tem o seu porque de ser como é e com certeza é pensado para ser, ao menos em teoria, o mais justo possível.

 Mas há algo bom a se tirar do linchamento: isso claramente mostra o descontentamento com a sensação de insegurança que nos rodeia, e espero que isso chame a atenção do Estado de forma positiva. Mas todos querem pegar atalhos na hora de resolver os problemas. Ninguém quer votar em políticos que se disponham a investir em educação e programas sociais, que dariam resultados após 10 anos. Querem é o político que prometa acabar com a violência em um mês gastando todo o orçamento em policiamento, armas e equipamentos para os policiais - o que obviamente não vai resolver problema, afinal, até o momento o problema ainda existe.

 O desconhecimento de como opera o Direito gera grande parte da sensação de que a lei não se cumpre. Como se espera acabar com a criminalidade simplesmente abarrotando as cadeias com cada vez mais e mais pessoas? As cadeias deveriam funcionar como espaços onde os criminosos seriam ressocializados, mas na verdade funcionam como graduação de bandidos e freio social que faz com que a maioria das pessoas não cometam crimes,  pelo simples fato de que talvez sejam presos. Mas essas transformações que seriam necessárias no sistema carcerário demandariam muito tempo, dinheiro e esforço. Então o que fazemos? Tomamos o caminho mais fácil: entupimos as cadeias. Ou como querem alguns matamos todo mundo, porque é claro que assim resolvemos todos os problemas: matou? Morte. Roubou? Morte. Desviou dinheiro, público ou privado (o que também é uma forma de roubo)? Morte. Você é um pai de família, cristão, de bem, acusado de um crime que não cometeu e não teve direito a um julgamento justo? Azar o seu: morte.


É com bastante tristeza que escrevo este texto, pois vejo a quantidade gigantesca de seguidores da mentalidade grotesca de Rachel Sheherazade. E sei que muitos vão passar os olhos sem atentar para argumento algum e simplesmente bradar: "faça um favor ao Brasil, adote um bandido”. Mas tudo bem, como esperar encontrar bom senso onde não há?

 Agir como um bandido, à margem da lei, para fazer "justiça", é quase como tentar apagar um incêndio atirando mais lenha à fogueira. Criminoso bom é criminoso morto? Os linchadores teriam que morrer também. O ser humano é muito egoísta e assim só consegue ver seu próprio umbigo. É muito fácil reclamar de determinados direitos quando não somos nós os beneficiados, mas a coisa muda bastante quando é você que está do outro lado. E, mesmo que seja por engano, você pode estar desse outro lado e aí você vai querer fazer valer seus direitos. O que me lembra o caso d`"O ex-presidiário Heberson Lima de Oliveira, hoje com 30 anos, teve a juventude roubada por um erro da Justiça do Amazonas e luta para receber do Estado uma indenização depois de tudo o que passou. Preso em 2003 suspeito de estuprar uma menina de nove anos, ele ficou três anos atrás das grades até que teve a inocência provada. Isolado em uma cela destinada aos homens que cometeram crimes sexuais, ele foi estuprado pelos companheiros de cela e contraiu Aids, o que fez com que a liberdade chegasse de forma tardia para ele." Com ele também foi feita "justiça" com as próprias mãos, mas poderia ser com você aí.

 Consciência povo! Mais estudo e menos televisão, por favor.

 Referências das citações:

 Âncora do SBT, Rachel Sheherazade diz que ação de justiceiros no Rio é ‘compreensível’ e não ‘aceitável’
 Rachel Sheherazade: a porta voz perfeita do ódio das 'pessoas de bem'
 SBT: Comentário polêmico de Rachel Sheherazade é de responsabilidade dela
 Homem preso injustamente luta por indenização após contrair HIV em estupro no presídio

Nenhum comentário:

Postar um comentário