Esta é uma pequena série de textos
mostrando uma alternativa ao ponto de vista consensual sobre o êxodo
do Egito, o Egito e regiões próximas nessa época e a formação da religião judaica,
que por sua vez deu origem ao cristianismo e ao islamismo. Os textos estão divididos em duas partes. Esta segunda parte é dividida em seis partes menores.
Estes textos são
uma espécie de resumo, trechos retirados do livro “TUTANCÂMON a
verdade por trás do maior mistério da arqueologia” (título
original: Mercy), de Andrew Collins e Chris Ogilvie-Herald, Editora
Landscape, 2004. O livro é muito mais abrangente e detalhado do que o
mostrado aqui, com inúmeras referências e pontos de vista
alternativos sobre os temas abordados. Nesse resumo suprimi as
referências e adotei os pontos de vista escolhidos como mais
prováveis e necessários para o desenvolvimento do raciocínio dos
autores. Quaisquer dúvidas ou pedidos de referências podem comentar
que responderei.
Estes textos,
obviamente, estão aquém do original, no entanto, conseguem
mostrar satisfatoriamente que o que sabemos talvez não seja
exatamente da forma que pensamos ser. Para todos que se interessam
pelo Egito, religiões, História e pela incessante busca pela
verdade.
Parte II a: As primeiras tribos adoradoras de “Deus”:
A Procura Por Yahweh
Nas profundezas do
Sudão, o antigo reino da Núbia, Amenófis III, o pai de Aquenaton e
Tutancâmon, construiu templos idênticos em Soleb; um para si, outro
para sua Grande Esposa Real, Tiye. Em seu templo, dedicado ao deus
Amon, está uma série de colunas nas quais se encontra inscrito um
registro de nomes de lugares africanos e asiáticos, ou topônimos,
como se diz. Entre eles se encontram três lugares “na terra dos
shasu”, um dos quais é t3 ssw yhw, “Yahweh na terra dos shasu”.
Yahweh, naturalmente, era o tetragrama, ou tetragramaton, o nome
inefável do deus israelita; e mesmo assim, estava ligado aqui
diretamente aos povos nômades shasu e sua terra natal no sul da
Transjordânia, descrita textualmente como Seir ou Edom. Essa era a
região de planaltos que se estendia entre o Golfo de Aqaba no sul e
o Mar Morto, no norte, e os relatos egípcios referem-se a ela como
“a terra dos shasu”.
A referência acima a
Yahweh é a mais antiga já registrada, de maneira que tentar
entender a relação entre as tribos shasu e o deus dos israelitas
torna-se essencial para podermos determinar as origens da raça
israelita. Os shasu (nome derivado do egípcio s`sw, ou “vagar”)
são citados na Estela de Merneptah, que data de cerca de 1220 a.C.
Nela lemos que os “shasu de Edom” passaram “da fortaleza de
Merneptah... aos poços da Casa de Atum” na cidade fronteiriça de
Tjekku, a Sucot da Bíblia, na margem do Delta oriental, “para
prover sua subsistência e a de seus rebanhos”.
Os deslocamentos
anuais dos shasu baseavam-se em conhecimento preciso das mudanças
climáticas das estações. Durante o inverno, na estação chuvosa,
eles acampavam nos abundantes pastos das estepes e planícies férteis
da Transjordânia. Depois, no árido verão, quando eram comuns as
secas, eles tocavam os rebanhos para as planícies litorâneas da
Palestina, até o Delta Oriental, onde, ao que parece, seus
deslocamentos eram rigorosamente monitorados. Mesmo assim, os shasu
eram mais do que simples criadores de gado, deslocando seus rebanhos
de carneiros e bois por milhares de quilômetros de terreno desértico
todo ano, pois de alguma maneira eles se tornaram uma ameaça de
grandes proporções para uma sucessão de reis egípcios da 18ª e
da 19ª Dinastias.
O Egito em Canaã
Mesmo durante a era de
Amenófis III e Aquenaton, no 14º século antes de Cristo, as
autoridades egípcias temiam que os planaltos palestinos pudessem ser
usados por revoltosos que planejassem uma insurreição. Por isso,
trataram de colocar reis vassalos em Jerusalém, no sul, e Siquém,
ao norte, para policiar as regiões em questão. Aliás, as cartas de
Amarna deixam claro que as autoridades egípcias tramaram colocar em
Jerusalém um governante ´Abdi-Heba, que anteriormente teria
recebido treinamento militar no Egito. Jerusalém, assim, tornou-se
uma cidade estratégica, com ampla influência egípcia, que incluía
um templo antes situado no local onde agora se encontra o Mosteiro
Dominicano francês de St. Étienne (São Estêvão). Escavações
arqueológicas para determinar sua extensão e origem revelaram
fragmentos de colunas de lótus e duas ânforas de alabastro, bem
como partes de uma mesa de oferendas, uma estatueta de serpente e uma
estela datando de uma época em torno do reinado de Merneptah (cerca
de 1224-1214 a.C.)
Uma das maiores pedras
no sapato das autoridades egípcias eram os habiru das cartas de
Amarna, ou ´apiru das inscrições egípcias. Eles eram povos
falantes de língua semita, deslocados, que viajavam para
cidades-estado e países vizinhos oferecendo seus serviços aos
senhores de terras abastados. Mais importante é que se reuniam para
formar exércitos mercenários que lutavam para qualquer príncipe de
menor importância que lhes pagasse a maior quantia. Tinham suas
próprias leis, e com ou sem apoio dos governantes locais
aterrorizavam as cidades-estado cananeias, inclusive as que serviam
ao Egito. A correspondência de Amarna está repleta de relatos de
ataques milicianos habiru/´apiru e, em uma carta, ´Abdi-Heba, de
Jerusalém, registra sua indignação contra o fato de as cidades de
Ascalon (Ashkelon), Gezer e Lachish estarem dando guarida aos
habiru/´apiru e lhes fornecendo suprimentos.
Os Inimigos Shasu
Ainda por cima, além
dos abiru/´apiru, que se concentravam principalmente ao norte do
país, uma das principais preocupações dos egípcios era o aumento
da população das tribos shasu, mais ao sul, em especial durante o
reinado de Horemheb, que aparentemente lançou uma ofensiva de
grandes proporções contra os inimigos asiátios em mais ou menos
1320 a.C. Tendo se convertido em uma inconveniência a mais na
Transjordânia, os clãs shasu começaram a penetrar na direção
oeste, através de Arabá, e Negueb adentro, no norte do Sinai. Dali
entraram em contato com cidades maiores ao longo da planície
costeira, o que tornou-os uma ameaça em potencial para o Delta
Oriental egípcio. Além dessas regiões, há referências a eles nos
planaltos centrais em lugares como Magiddo, vale Jezreel e Beth
Shean.
Podemos fazer uma
ideia do que eram os shasu nessa época por intermédio dos registros
egípcios, que quase sempre se referiam a eles em contexto militar.
Ou estão combatendo os exércitos egípcios na Síria-Palestina, ou
aparecem como quadrilhas de assaltantes que agiam por conta própria.
Um texto em papiro fala que os desfiladeiros das montanhas e trilhas
de Canaã estão infestados deles, “ocultos nos arbustos”, “com
expressões carregadas e corações impiedosos, que não dão ouvidos
a discursos persuasivos”. Aliás, de acordo com o estudioso egípcio
William Ward,
a visão que os
egípcios tinham dos shasu
parece ser, portanto, de uma bando de piratas, originários da
transjordânia, que se podiam encontrar predominantemente
desempenhando o duplo papel de mercenários ou bandoleiros que
serviam ou atacavam nas cidades e rotas de caravanas de Canaã.
Além disso, não
devemos nos esquecer de que eles também eram pastores, e usavam
essas mesmas rotas para ir de Edom ao Egito, onde seus rebanhos
pastavam. Mais ainda, existem provas suficientes de que eles tinham
suas próprias cidades, e podem ter estado envolvidos em operações
de mineração no distrito minerador de Timna, cerca de 27 km ao
norte do Golfo de Aqaba, a extensão leste do Mar Vermelho. Mas
parece que as coisas pioraram para o lado deles, pois uma inscrição
do ano I do reinado de Seti I (por volta de 1309-1291 a.C.) fala de
um levante entre esses povos tribais:
Os inimigos shasu
tramam rebelião. Seus líderes tribais se reuniram em um lugar, nos
contrafortes de Khor [ou os hurritas, habitantes da Palestina
Maior], e estão envolvidos em tumultos e distúrbios. Estão todos
se matando entre si. Não respeitam as leis do palácio.
Exatamente o que
estava acontecendo, não se sabe até hoje. Essa insurreição,
porém, levou Seti I a montar uma operação militar, que começou
com a conquista da cidade de Pa-Kannan, a moderna Gaza. Dali ele
avançou pela planície costeira até chegar ao Mar da Galiléia,
aparentemente perseguindo shasu e habiru/´apiru, que com frequência
se tornavam sinônimo uns dos outros. As cidade de Yanoam (mencionada
na Estela da Vitória do reinado de Merneptah), Beth Shean e Hammath
foram invadidas, até que finalmente ele bateu à porta das
fortalezas hititas no norte da Síria. Foi uma série impressionante
de vitórias, comemorada com relevos e inscrições nas muralhas do
templo de Amon em Karnak.
Apesar da aparente
derrota nas mãos de Seti I, os clãs shasu pareciam apenas ter se
tornado mais fortes e numerosos, pois começaram a ameaçar pra valer
a parte montanhosa do país em torno de Siquém, ao norte. Também
começaram a se infiltrar em outras regiões de Canaã, bem diante do
litoral da Síria.
Durante o reinado do
filho de Seti, Ramsés II (cerca de 1290-1224 a.C.) ocorreram
diversas campanhas militares, sendo a mais famosa a batalha contra os
hititas em Cades, na Síria. Entretanto, Ramsés entrou no sul da
Transjordânia, a terra de Edom, e ali derrotou inimigos do Egito,
inclusive tribos shasu. Certamente, os relevos dos muros de Karnak
(ou Carnac) comemoram os ataques de Ramsés a cidades costeiras como
Ascalon (Ashkelon) e mostram shasu sendo aprisionados.
Posteriormente, no
início do século XII, ocorreram ataques aos “acampamentos” dos
shasu situados no sul de Canaã, ordenados por Ramsés III (por volta
de 1182-1151 a.C.). Uma vez mais eles parecem ter se revoltado e se
tornado inconvenientes e impossíveis de se controlar, exigindo uma
campanha militar para abrandá-los.
De registros como
esses, parece que por volta de 1320 a.C. até o fim do primeiro quartel do 12º século a.C., os shasu foram se tornando uma
dor de cabeça de bom tamanho para as autoridades egípcias. Mas, e
então, estariam os shasu associados ao grupo tribal chamado “Israel”
na Estela da Vitória, que Merneptah diz ter “devastado”?
Yahweh na Terra dos
Shasu
O topônimo shasu
encontrado no templo de Soleb com o nome de “Yahweh” implica que
tal tribo era seguidora do deus israelita. Mais ainda, como a
referência a Yahweh parece estar ligada a uma cidade ou localidade,
leva a crer que ali havia algum santuário desse deus – uma teoria
proposta pela primeira vez em 1971 por Raphael Giveon, o maior
especialista do mundo em shasu. Segundo suas especulações, “Yahweh
na terra dos shasu” pode muito bem ter sido a origem do termo
bíblico Beth Yahweh, ou Beth-El, “Casa de Deus”. Além disso,
Giveon ainda propôs que a seu ver a pátria shasu deve ter sido
muito importante, necessariamente, para o desenvolvimento da religião
de Israel, e notadamente sua conexão com as montanhas sagradas.
Ideias semelhantes surgiram já em 1947, de autoria do egiptólogo
Bernhard Grdseloff, que percebeu que o topônimo Yahweh-shasu era
talvez a referência extra-bíblica mais antiga existente tanto ao
deus israelita quanto aos que veneravam essa divindade. De fato, como
o egiptólogo Donald Redford já comentou em relação à importância
do topônimo Yahweh-shasu:
há
meio século admite-se que temos aqui o tetragrama, ou tetragramaton,
com o nome do deus israelita “Yahweh” e se esse for o caso, como
sem dúvida é, a passagem constitui uma indicação preciosíssima
do paradeiro de um enclave que reverenciava esse deus, durante o
final do século XV a.C.
Ainda
mais, o templo de Soleb, da época do reinado de Amenófis III, não
é o único lugar onde se pode encontrar menção ao “Yahweh na
Terra dos shasu”. Ele também aparece numa lista de mais ou menos
104 topônimos africanos e asiáticos, muito danificados, encontrada
em um templo que data do reinado de Ramsés II, na cidade núbia de
Amarah Oeste. Dentre eles estão seis nomes de lugares “na terra
dos shasu”, inclusive, outra vez, “Yahweh na terra dos shasu”.
Então, podemos afirmar que o registro de Soleb não é simplesmente
uma leitura equivocada de outro nome, pois o encontramos em dois
templos núbios distintos, construídos um 150 anos após o outro.
Embora
muitos topônimos que se danificaram estejam agora ilegíveis, o nome
Israel não aparece no
registro mais antigo de Soleb na época de Amenófis III. Não se
menciona em parte alguma “a terra de Israel”. O que
definitivamente consta das duas listas, a de Soleb e a de Amarah, são
referências aos shasu. Como pelo menos alguns elementos entre os
shasu teriam aparentemente sido adoradores de Yahweh, não é
possível que Israel era uma só tribo ou clã específicos? Assim,
Israel torna-se apenas um clã dentre as tribos shasu, e muito
possivelmente o mais importante deles, pois parece ter crescido em
importância suficientemente na época de Merneptah para ter sido
incluído na lista de inimigos asiáticos encontrada na Estela da
Vitória. Mais que isso, o fato de terem sido “devastados”, e
“sua descendência aniquilada” mostra que seu líder, ou seus
líderes, haviam representado uma ameaça significativa ao norte do
império egípcio, exatamente o que aconteceu no caso dos shasu.
Sempre
se suspeitou da existência de uma relação entre os habiru/`apiru e
os hebreus, embora não pareça ter existido convivência étnica,
social nem geográfica dentre esses povos falantes de línguas
semitas. Além do mais, parece certo que o termo hebreu, se deriva
mesmo de habiru, simplesmente tornou-se uma espécie de xingamento,
usado pelos egípcios e filisteus para descrever um certo tipo de
inimigo asiático, e pouco ou nada tinha a ver com seu passado
étnico. Apenas os shasu parecem se encaixar com a descrição dos
filhos de Israel conforme dada na bíblia.
Parte I d: Castigo dos deuses: As pragas do Egito
Parte II b: A Morada de “Deus”
Parte I d: Castigo dos deuses: As pragas do Egito
Parte II b: A Morada de “Deus”
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