sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Egito, Êxodo e Deus: Parte II a: As primeiras tribos adoradoras de “Deus”

  Esta é uma pequena série de textos mostrando uma alternativa ao ponto de vista consensual sobre o êxodo do Egito, o Egito e regiões próximas nessa época e a formação da religião judaica, que por sua vez deu origem ao cristianismo e ao islamismo. Os textos estão divididos em duas partes. Esta segunda parte é dividida em seis partes menores.
  Estes textos são uma espécie de resumo, trechos retirados do livro “TUTANCÂMON a verdade por trás do maior mistério da arqueologia” (título original: Mercy), de Andrew Collins e Chris Ogilvie-Herald, Editora Landscape, 2004. O livro é muito mais abrangente e detalhado do que o mostrado aqui, com inúmeras referências e pontos de vista alternativos sobre os temas abordados. Nesse resumo suprimi as referências e adotei os pontos de vista escolhidos como mais prováveis e necessários para o desenvolvimento do raciocínio dos autores. Quaisquer dúvidas ou pedidos de referências podem comentar que responderei.
  Estes textos, obviamente, estão aquém do original, no entanto, conseguem mostrar satisfatoriamente que o que sabemos talvez não seja exatamente da forma que pensamos ser. Para todos que se interessam pelo Egito, religiões, História e pela incessante busca pela verdade.

Parte II a: As primeiras tribos adoradoras de “Deus”:

  A Procura Por Yahweh

  Nas profundezas do Sudão, o antigo reino da Núbia, Amenófis III, o pai de Aquenaton e Tutancâmon, construiu templos idênticos em Soleb; um para si, outro para sua Grande Esposa Real, Tiye. Em seu templo, dedicado ao deus Amon, está uma série de colunas nas quais se encontra inscrito um registro de nomes de lugares africanos e asiáticos, ou topônimos, como se diz. Entre eles se encontram três lugares “na terra dos shasu”, um dos quais é t3 ssw yhw, “Yahweh na terra dos shasu”. Yahweh, naturalmente, era o tetragrama, ou tetragramaton, o nome inefável do deus israelita; e mesmo assim, estava ligado aqui diretamente aos povos nômades shasu e sua terra natal no sul da Transjordânia, descrita textualmente como Seir ou Edom. Essa era a região de planaltos que se estendia entre o Golfo de Aqaba no sul e o Mar Morto, no norte, e os relatos egípcios referem-se a ela como “a terra dos shasu”.

  A referência acima a Yahweh é a mais antiga já registrada, de maneira que tentar entender a relação entre as tribos shasu e o deus dos israelitas torna-se essencial para podermos determinar as origens da raça israelita. Os shasu (nome derivado do egípcio s`sw, ou “vagar”) são citados na Estela de Merneptah, que data de cerca de 1220 a.C. Nela lemos que os “shasu de Edom” passaram “da fortaleza de Merneptah... aos poços da Casa de Atum” na cidade fronteiriça de Tjekku, a Sucot da Bíblia, na margem do Delta oriental, “para prover sua subsistência e a de seus rebanhos”.

  Os deslocamentos anuais dos shasu baseavam-se em conhecimento preciso das mudanças climáticas das estações. Durante o inverno, na estação chuvosa, eles acampavam nos abundantes pastos das estepes e planícies férteis da Transjordânia. Depois, no árido verão, quando eram comuns as secas, eles tocavam os rebanhos para as planícies litorâneas da Palestina, até o Delta Oriental, onde, ao que parece, seus deslocamentos eram rigorosamente monitorados. Mesmo assim, os shasu eram mais do que simples criadores de gado, deslocando seus rebanhos de carneiros e bois por milhares de quilômetros de terreno desértico todo ano, pois de alguma maneira eles se tornaram uma ameaça de grandes proporções para uma sucessão de reis egípcios da 18ª e da 19ª Dinastias.



  O Egito em Canaã

  Mesmo durante a era de Amenófis III e Aquenaton, no 14º século antes de Cristo, as autoridades egípcias temiam que os planaltos palestinos pudessem ser usados por revoltosos que planejassem uma insurreição. Por isso, trataram de colocar reis vassalos em Jerusalém, no sul, e Siquém, ao norte, para policiar as regiões em questão. Aliás, as cartas de Amarna deixam claro que as autoridades egípcias tramaram colocar em Jerusalém um governante ´Abdi-Heba, que anteriormente teria recebido treinamento militar no Egito. Jerusalém, assim, tornou-se uma cidade estratégica, com ampla influência egípcia, que incluía um templo antes situado no local onde agora se encontra o Mosteiro Dominicano francês de St. Étienne (São Estêvão). Escavações arqueológicas para determinar sua extensão e origem revelaram fragmentos de colunas de lótus e duas ânforas de alabastro, bem como partes de uma mesa de oferendas, uma estatueta de serpente e uma estela datando de uma época em torno do reinado de Merneptah (cerca de 1224-1214 a.C.)

  Uma das maiores pedras no sapato das autoridades egípcias eram os habiru das cartas de Amarna, ou ´apiru das inscrições egípcias. Eles eram povos falantes de língua semita, deslocados, que viajavam para cidades-estado e países vizinhos oferecendo seus serviços aos senhores de terras abastados. Mais importante é que se reuniam para formar exércitos mercenários que lutavam para qualquer príncipe de menor importância que lhes pagasse a maior quantia. Tinham suas próprias leis, e com ou sem apoio dos governantes locais aterrorizavam as cidades-estado cananeias, inclusive as que serviam ao Egito. A correspondência de Amarna está repleta de relatos de ataques milicianos habiru/´apiru e, em uma carta, ´Abdi-Heba, de Jerusalém, registra sua indignação contra o fato de as cidades de Ascalon (Ashkelon), Gezer e Lachish estarem dando guarida aos habiru/´apiru e lhes fornecendo suprimentos.


  Os Inimigos Shasu

  Ainda por cima, além dos abiru/´apiru, que se concentravam principalmente ao norte do país, uma das principais preocupações dos egípcios era o aumento da população das tribos shasu, mais ao sul, em especial durante o reinado de Horemheb, que aparentemente lançou uma ofensiva de grandes proporções contra os inimigos asiátios em mais ou menos 1320 a.C. Tendo se convertido em uma inconveniência a mais na Transjordânia, os clãs shasu começaram a penetrar na direção oeste, através de Arabá, e Negueb adentro, no norte do Sinai. Dali entraram em contato com cidades maiores ao longo da planície costeira, o que tornou-os uma ameaça em potencial para o Delta Oriental egípcio. Além dessas regiões, há referências a eles nos planaltos centrais em lugares como Magiddo, vale Jezreel e Beth Shean.

  Podemos fazer uma ideia do que eram os shasu nessa época por intermédio dos registros egípcios, que quase sempre se referiam a eles em contexto militar. Ou estão combatendo os exércitos egípcios na Síria-Palestina, ou aparecem como quadrilhas de assaltantes que agiam por conta própria. Um texto em papiro fala que os desfiladeiros das montanhas e trilhas de Canaã estão infestados deles, “ocultos nos arbustos”, “com expressões carregadas e corações impiedosos, que não dão ouvidos a discursos persuasivos”. Aliás, de acordo com o estudioso egípcio William Ward,

a visão que os egípcios tinham dos shasu parece ser, portanto, de uma bando de piratas, originários da transjordânia, que se podiam encontrar predominantemente desempenhando o duplo papel de mercenários ou bandoleiros que serviam ou atacavam nas cidades e rotas de caravanas de Canaã.

  Além disso, não devemos nos esquecer de que eles também eram pastores, e usavam essas mesmas rotas para ir de Edom ao Egito, onde seus rebanhos pastavam. Mais ainda, existem provas suficientes de que eles tinham suas próprias cidades, e podem ter estado envolvidos em operações de mineração no distrito minerador de Timna, cerca de 27 km ao norte do Golfo de Aqaba, a extensão leste do Mar Vermelho. Mas parece que as coisas pioraram para o lado deles, pois uma inscrição do ano I do reinado de Seti I (por volta de 1309-1291 a.C.) fala de um levante entre esses povos tribais:

Os inimigos shasu tramam rebelião. Seus líderes tribais se reuniram em um lugar, nos contrafortes de Khor [ou os hurritas, habitantes da Palestina Maior], e estão envolvidos em tumultos e distúrbios. Estão todos se matando entre si. Não respeitam as leis do palácio.

  Exatamente o que estava acontecendo, não se sabe até hoje. Essa insurreição, porém, levou Seti I a montar uma operação militar, que começou com a conquista da cidade de Pa-Kannan, a moderna Gaza. Dali ele avançou pela planície costeira até chegar ao Mar da Galiléia, aparentemente perseguindo shasu e habiru/´apiru, que com frequência se tornavam sinônimo uns dos outros. As cidade de Yanoam (mencionada na Estela da Vitória do reinado de Merneptah), Beth Shean e Hammath foram invadidas, até que finalmente ele bateu à porta das fortalezas hititas no norte da Síria. Foi uma série impressionante de vitórias, comemorada com relevos e inscrições nas muralhas do templo de Amon em Karnak.

  Apesar da aparente derrota nas mãos de Seti I, os clãs shasu pareciam apenas ter se tornado mais fortes e numerosos, pois começaram a ameaçar pra valer a parte montanhosa do país em torno de Siquém, ao norte. Também começaram a se infiltrar em outras regiões de Canaã, bem diante do litoral da Síria.

  Durante o reinado do filho de Seti, Ramsés II (cerca de 1290-1224 a.C.) ocorreram diversas campanhas militares, sendo a mais famosa a batalha contra os hititas em Cades, na Síria. Entretanto, Ramsés entrou no sul da Transjordânia, a terra de Edom, e ali derrotou inimigos do Egito, inclusive tribos shasu. Certamente, os relevos dos muros de Karnak (ou Carnac) comemoram os ataques de Ramsés a cidades costeiras como Ascalon (Ashkelon) e mostram shasu sendo aprisionados.

  Posteriormente, no início do século XII, ocorreram ataques aos “acampamentos” dos shasu situados no sul de Canaã, ordenados por Ramsés III (por volta de 1182-1151 a.C.). Uma vez mais eles parecem ter se revoltado e se tornado inconvenientes e impossíveis de se controlar, exigindo uma campanha militar para abrandá-los.

  De registros como esses, parece que por volta de 1320 a.C. até o fim do primeiro quartel do 12º século a.C., os shasu foram se tornando uma dor de cabeça de bom tamanho para as autoridades egípcias. Mas, e então, estariam os shasu associados ao grupo tribal chamado “Israel” na Estela da Vitória, que Merneptah diz ter “devastado”?


  Yahweh na Terra dos Shasu

  O topônimo shasu encontrado no templo de Soleb com o nome de “Yahweh” implica que tal tribo era seguidora do deus israelita. Mais ainda, como a referência a Yahweh parece estar ligada a uma cidade ou localidade, leva a crer que ali havia algum santuário desse deus – uma teoria proposta pela primeira vez em 1971 por Raphael Giveon, o maior especialista do mundo em shasu. Segundo suas especulações, “Yahweh na terra dos shasu” pode muito bem ter sido a origem do termo bíblico Beth Yahweh, ou Beth-El, “Casa de Deus”. Além disso, Giveon ainda propôs que a seu ver a pátria shasu deve ter sido muito importante, necessariamente, para o desenvolvimento da religião de Israel, e notadamente sua conexão com as montanhas sagradas. Ideias semelhantes surgiram já em 1947, de autoria do egiptólogo Bernhard Grdseloff, que percebeu que o topônimo Yahweh-shasu era talvez a referência extra-bíblica mais antiga existente tanto ao deus israelita quanto aos que veneravam essa divindade. De fato, como o egiptólogo Donald Redford já comentou em relação à importância do topônimo Yahweh-shasu:

há meio século admite-se que temos aqui o tetragrama, ou tetragramaton, com o nome do deus israelita “Yahweh” e se esse for o caso, como sem dúvida é, a passagem constitui uma indicação preciosíssima do paradeiro de um enclave que reverenciava esse deus, durante o final do século XV a.C.

  Ainda mais, o templo de Soleb, da época do reinado de Amenófis III, não é o único lugar onde se pode encontrar menção ao “Yahweh na Terra dos shasu”. Ele também aparece numa lista de mais ou menos 104 topônimos africanos e asiáticos, muito danificados, encontrada em um templo que data do reinado de Ramsés II, na cidade núbia de Amarah Oeste. Dentre eles estão seis nomes de lugares “na terra dos shasu”, inclusive, outra vez, “Yahweh na terra dos shasu”. Então, podemos afirmar que o registro de Soleb não é simplesmente uma leitura equivocada de outro nome, pois o encontramos em dois templos núbios distintos, construídos um 150 anos após o outro.

  Embora muitos topônimos que se danificaram estejam agora ilegíveis, o nome Israel não aparece no registro mais antigo de Soleb na época de Amenófis III. Não se menciona em parte alguma “a terra de Israel”. O que definitivamente consta das duas listas, a de Soleb e a de Amarah, são referências aos shasu. Como pelo menos alguns elementos entre os shasu teriam aparentemente sido adoradores de Yahweh, não é possível que Israel era uma só tribo ou clã específicos? Assim, Israel torna-se apenas um clã dentre as tribos shasu, e muito possivelmente o mais importante deles, pois parece ter crescido em importância suficientemente na época de Merneptah para ter sido incluído na lista de inimigos asiáticos encontrada na Estela da Vitória. Mais que isso, o fato de terem sido “devastados”, e “sua descendência aniquilada” mostra que seu líder, ou seus líderes, haviam representado uma ameaça significativa ao norte do império egípcio, exatamente o que aconteceu no caso dos shasu.

  Sempre se suspeitou da existência de uma relação entre os habiru/`apiru e os hebreus, embora não pareça ter existido convivência étnica, social nem geográfica dentre esses povos falantes de línguas semitas. Além do mais, parece certo que o termo hebreu, se deriva mesmo de habiru, simplesmente tornou-se uma espécie de xingamento, usado pelos egípcios e filisteus para descrever um certo tipo de inimigo asiático, e pouco ou nada tinha a ver com seu passado étnico. Apenas os shasu parecem se encaixar com a descrição dos filhos de Israel conforme dada na bíblia.


Parte I d: Castigo dos deuses: As pragas do Egito  
Parte II b: A Morada de “Deus”  

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