Comecei a assistir a série The Walking Dead com um pé atrás: um monte de
zumbis atacando pessoas que ficam matando esses zumbis. Na verdade, é bem
isso, mesmo; essa é a premissa da história. Mas então, por que um
enredo tão "batido" chamaria e prenderia a atenção de tantas
pessoas (me incluo nessa) por tanto tempo? A resposta é: de simples
tem apenas a roupagem, que realmente aproveitou a moda de zumbis,
além do sangue, mortes e violência que costumam atrair uma boa
quantidade de público.
Há uma teia social
muito bem estruturada entrelaçando os personagens, com perfis
psicológicos distintos, bem definidos, complexos e ao mesmo tempo caricatos (me lembra um pouco, mantendo as devidas proporções, os personagens da turma do Charlie Brown, onde cada um aparenta um perfil psicológico distinto que podia ser remetido a algum problema psicológico específico) e que se
desenvolvem com o desenrolar da história. Mas isso ainda está no
raso da coisa (segundo minha análise). Acho que dificilmente
apenas esses aspectos resultariam no estrondoso sucesso da série. A
grande sacada está nos fatores sociopolíticos que permeiam o
universo de The walking dead; um mundo que, de certa forma, conta
momentos diversos da história da sociedade humana sob a perspectiva
desses fatores. Muitas pessoas provavelmente se sentem atraídas pela
série – ou os quadrinhos, que deram origem a série, os quais ainda não
li – e não se dão conta do porquê, não percebem a profundidade
existente e acabam por não aproveitar tanto quanto poderiam. Não
que a premissa seja toda original: nos jogos de videogame da
série Fallout, por exemplo, nos é apresentado um mundo pós-apocalíptico onde
formam-se diferentes grupos sob diferentes formas de governo e
relações sociais. Mas talvez The Walking Dead seja o primeiro a
fazer isso na televisão e com tanta qualidade técnica.
Mas quais fatores
sociopolíticos são esses que remontam alguns pontos da história
humana? São as formas como os diferentes grupos sociais se organizam
dentro desse mundo pós-apocalíptico. A começar, esse mundo põem o
homem num estágio “primitivo”, como se tivesse acabado de sair
do estado de natureza - como argumentavam os pensadores naturalistas.
Inicialmente há divisão de trabalho entre homens e mulheres –
aqui faço uma observação: acho natural tal divisão em um mundo
“primitivo”; o homem por natureza é mais forte, fisicamente, que a
mulher, portanto é natural que eles realizem os trabalhos que
demandem força e risco. Isso não é uma divisão preconceituosa de
trabalho, mas sim de aptidões -, mas por causa da situação extrema
em que se encontram, rodeados de zumbis sedentos por carne e outros
grupos muitas vezes hostis (pra dizer o mínimo), todos são forçados
– por fatores externos: Durkheim - a desenvolverem e aplicarem da
melhor forma habilidades comuns a todos e necessárias à sobrevivência.
A visão mais comum desse mundo remete à hobbeniana – o homem é o lobo do homem. A ausência de leis para
manter a ordem e uma sociedade egoísta, onde as pessoas são
altamente individualistas, faz com que conflitos surjam
constantemente. Daí a necessidade se formarem organizações sociais
e formas de governo que atendam às necessidades distintas de cada
grupo. Também vemos microcosmos sociais onde todos são bons e
trabalham para o bem de todos - Rosseau; grupos que vivem em paz mas
decidem por um líder para a manutenção dessa paz diante da
hostilidade encontrada na “natureza”- Locke -, porém, esse grupo acaba
nas mãos de um homem carismático, com um exército fortemente
armado, governando com mão de ferro e grande foco em
auto-publicidade - fascismo. Ele age visando os objetivos que pensa serem os
melhores para essa sociedade, passando por cima seja do que ou de
quem for - Maquiavel.
Nessa
“terra-de-ninguém”, os indivíduos mais egoístas tem mais
dificuldade em se organizar e tentam a todo custo reaver um modo de
vida que seja o mais próximo do sistema capitalista, agora
inexistente. Os indivíduos mais altruístas conseguem se organizar
mais rapidamente e têm mais facilidade em manter a paz interna do
grupo.
The walking Dead é
uma crítica à sociedade atual, como mostram muitas análises que podem ser encontradas pela internet, mas também uma aula sobre a humanidade, sob um contexto muito mais abrangente.
Isso sem tocar nos aspectos psicológicos, sobre os quais não possuo
conhecimento suficiente para discorrer muito a respeito. Quem não
parou para analisar a série além de seus aspectos técnicos, talvez
agora possa aproveitá-la com um olhar um pouco mais profundo, ao se
deter a esses “detalhes”, que se encontram tão fundo na série.
(Outras análises bem interessantes podem ser encontradas em: http://nerdsocialista.wordpress.com/2012/12/08/sociedade-e-poder-em-the-walking-dead/ e http://sociologiamelhormateria.blogspot.com.br/2012/10/the-walking-dead-e-sociologia.html)
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