terça-feira, 6 de novembro de 2012

Enterrado e Bem Morto (Vivo)

Eu a conheci há algum tempo. Não parecia - não parecia mesmo! -, mas algumas vezes ela sofria. Parecia sincera, honesta, tranquila; uma boa pessoa, pra quem poucas coisas faltavam - se é que faltavam. Na verdade ela não sabia quem era - ou o que era. Ela quase não existia; não por inteiro. Parecia a união de vários pedaços dela mesma que foram sendo encontrados caídos pelos cantos com o passar dos anos.

 Ela era quem estava sempre certa; nao errava. Nunca! Tinha todas as respostas, para todas as coisas; ou pelo menos as justificativas.  Sempre pronta a rebater, uma vez após outra, incansavelmente. Cega! Louca! Ela achava que conhecia o amor de verdade, mas só conhecia o amor-próprio. Não! Nem isso! O que ela acreditava ser amor, não passava de egoísmo. Orgulho inabalável, ego gigantesco e puro egoísmo.

 Eu a encontrei pelo caminho de volta para casa em uma manhã, voltando de um bar. Conversamos um pouco e assim passei a conhecê-la; cada vez mais. Cada vez que eu a encontrava naquele mesmo caminho, eu a conhecia mais. Até que em certo ponto percebi que nossa proximidade estava tornando-se (no mínimo) desconfortável. Tudo aquilo que ela era, e que fui percebendo aos pouco, criava uma pesada, sufocante e agoniante atmosfera sobre mim. Tentei não encontrá-la mais; mas aquele caminho pelo qual eu seguia era inevitável. Assim, encontrá-la, vez ou outra, também era inevitável. Até chegar ao ponto em que decidi matá-la. Mas foi mais fácil decidir do que fazer. Na última vez que a vi, naquele mesmo caminho de terra, com aquelas mesmas árvores silenciosas em volta, andamos um pouco até chegar a um banco de madeira próximo de nós. Sentamos e não falamos nada. Eu nem podia: Minha garganta já sufocava com aquela atmosfera que ela gerava em torno de mim. Desci meu braço para apanhar a pá que havia deixado escondida ali fazia um pouco mais de um mês, esperando a próxima vez que ela aparecesse pelo caminho. Então, girei a pá ao mesmo tempo em que me levantava e acertei-lhe à altura da têmpora. Ela caiu no chão. Inerte. Mas não consegui terminar o que comecei; não totalmente. Talvez - mas só talvez - eu sentisse alguma simpatia de alguma espécie por ela. Cavei um buraco naquele chão. Não a matei. Atirei-a ali e a cobri com terra, ao lado da estradinha mesmo. Quando me afastei, cansado, desanimado e um pouco aliviado, pensei ter ouvido alguma coisa, distante: talvez um grito, um resmungo ou apenas minha imaginação.

 Não era apenas imaginação. Algumas vezes voltando por ali, eu ouvia e sentia batidas surdas vindas do chão. Outras vezes era sua voz chingando, reclamando ou suplicando. Acontecia, com menos frequência, mas acontecia, de ela conseguir tirar sua mão para fora da terra e me puxar pelo tornozelo. Mas o pior era quando enquanto eu tentava fugir de suas mãos, ela acabava por conseguir tirar sua cabeça para fora da terra, de tão forte que se segurava em mim. Aí não havia outro jeito: eu tinha que parar de tentar fugir e ficava ali chutando e pisando em sua cabeça até conseguir que ela voltasse de volta para o buraco.

 É... alguns dias não são fáceis. Mas outros, quando só ouço sua voz, bem longe, acho que quase me acostumei.

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