Eu a conheci há algum tempo. Não parecia - não parecia mesmo! -,
mas algumas vezes ela sofria. Parecia sincera, honesta, tranquila; uma
boa pessoa, pra quem poucas coisas faltavam - se é que faltavam. Na
verdade ela não sabia quem era - ou o que era. Ela quase não existia;
não por inteiro. Parecia a união de vários pedaços dela mesma que foram
sendo encontrados caídos pelos cantos com o passar dos anos.
Ela
era quem estava sempre certa; nao errava. Nunca! Tinha todas as
respostas, para todas as coisas; ou pelo menos as justificativas.
Sempre pronta a rebater, uma vez após outra, incansavelmente. Cega!
Louca! Ela achava que conhecia o amor de verdade, mas só conhecia o
amor-próprio. Não! Nem isso! O que ela acreditava ser amor, não passava
de egoísmo. Orgulho inabalável, ego gigantesco e puro egoísmo.
Eu
a encontrei pelo caminho de volta para casa em uma manhã, voltando de
um bar. Conversamos um pouco e assim passei a conhecê-la; cada vez mais.
Cada vez que eu a encontrava naquele mesmo caminho, eu a conhecia mais.
Até que em certo ponto percebi que nossa proximidade estava tornando-se
(no mínimo) desconfortável. Tudo aquilo que ela era, e que fui
percebendo aos pouco, criava uma pesada, sufocante e agoniante atmosfera
sobre mim. Tentei não encontrá-la mais; mas aquele caminho pelo qual eu
seguia era inevitável. Assim, encontrá-la, vez ou outra, também era
inevitável. Até chegar ao ponto em que decidi matá-la. Mas foi mais
fácil decidir do que fazer. Na última vez que a vi, naquele mesmo
caminho de terra, com aquelas mesmas árvores silenciosas em volta,
andamos um pouco até chegar a um banco de madeira próximo de nós.
Sentamos e não falamos nada. Eu nem podia: Minha garganta já sufocava
com aquela atmosfera que ela gerava em torno de mim. Desci meu braço
para apanhar a pá que havia deixado escondida ali fazia um pouco mais de
um mês, esperando a próxima vez que ela aparecesse pelo caminho. Então,
girei a pá ao mesmo tempo em que me levantava e acertei-lhe à altura da
têmpora. Ela caiu no chão. Inerte. Mas não consegui terminar o que
comecei; não totalmente. Talvez - mas só talvez - eu sentisse alguma
simpatia de alguma espécie por ela. Cavei um buraco naquele chão. Não a
matei. Atirei-a ali e a cobri com terra, ao lado da estradinha mesmo.
Quando me afastei, cansado, desanimado e um pouco aliviado, pensei ter
ouvido alguma coisa, distante: talvez um grito, um resmungo ou apenas
minha imaginação.
Não era apenas imaginação. Algumas vezes
voltando por ali, eu ouvia e sentia batidas surdas vindas do chão.
Outras vezes era sua voz chingando, reclamando ou suplicando. Acontecia,
com menos frequência, mas acontecia, de ela conseguir tirar sua mão
para fora da terra e me puxar pelo tornozelo. Mas o pior era quando
enquanto eu tentava fugir de suas mãos, ela acabava por conseguir tirar
sua cabeça para fora da terra, de tão forte que se segurava em mim. Aí
não havia outro jeito: eu tinha que parar de tentar fugir e ficava ali
chutando e pisando em sua cabeça até conseguir que ela voltasse de volta
para o buraco.
É... alguns dias não são fáceis. Mas outros, quando só ouço sua voz, bem longe, acho que quase me acostumei.
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