terça-feira, 30 de agosto de 2011

(in)evitável?

 *Nota: não é meu costume explicar o que meu dedo aponta, no entanto considero necessário algum esclarecimento: a ausência de nomes no texto, se deve à impressão que tenho do quanto esse assunto é comum - o que não tira sua importância. Nas palavras de Clarice Lispector: "Os sentimentos são sempre uma surpresa. Nunca foram uma caridade mendigada, uma compaixão ou um favor concedido. Quase sempre amamos a quem nos ama mal, e desprezamos quem melhor nos quer. Assim, repito, quando tivermos feito tudo para conseguir um amor, e falhado, resta-nos um só caminho... o de mais nada fazer."
 Me incomoda de certa maneira a narração no final de cada parte do conto, pois acho que tira um pouco da liberdade de quem lê. No entanto sinto que o texto pedia tal narração.
 Se você evitou alguma das etapas abaixo, ou não pôde evitar mas superou: parabéns! Se não: boa sorte :)



 - Por que você tá quieto?
 - Queria te falar uma coisa... Importante.
 - Então fale.
 - Já faz quatro meses que estamos juntos, nos vemos quase todos os dias, fazemos tantas coisas juntos... Fica comigo.
 - rs Mas eu fico com você.
 - Só comigo. Larga ele. Ele nem gosta de você. E você também não gosta. Vocês ficam aí se traindo e se enganando...
 - Claro que não. Ele não me trai, e nós nos gostamos sim.
 - Então por que você está esse tempo todo comigo?
 - Porque eu gosto de você também.
 - É... Você gosta de mim quando ele te faz falta. Na ausência dele é que se mostra o seu “gostar” de mim.
 - Não fala assim, eu amo você. De verdade.
 - Assim como você amou os outros antes de mim? Assim como você vai amar outros depois?! Eu cansei! Fica comigo ou vamos terminar isso agora.
 - Ai, você sabe que eu não vou terminar com meu namorado.
 O jovem com semblante pesado deixa a menina para trás. Ela o observa, com um pouco de lágrima nos olhos. Vai para a casa de seu namorado.

 Entra na casa, vai até a sala, seu namorado está assistindo televisão, um jogo de futebol. Ela chega por trás e o abraça, tenta beijar sua boca, mas alcança apenas o rosto. O namorado simula o ato de beijar, porém sem tirar os olhos do jogo e mal virando o rosto. Ela parece frustrada, senta-se no sofá ao lado da poltrona dele.
 - Tá tendo uma peça bem legal no teatro hoje. Vamo vê?
 - Ah não... To cansado, você sabe que eu fiquei a semana toda fora, trabalhando, cheguei agora e to querendo descansar.
 - Você já parou pra pensar quanto tempo faz que você só fica descansando?! Talvez você esteja cansado é de mim! É sempre a mesma coisa! Que saco!
 - Que saco você! Agora tenho que fazer tuas vontades, e justo hoje que ta tendo o jogo.
 Ela sobe as escadas da casa, vai para o quarto, chora. No escurecer que chega aos poucos, ela fica olhando para a janela, mas sem prestar atenção em nada específico, apenas pensa em porque as coisas complicam tanto pra ela, e adormece, sem se dar conta, ou, mais especificamente, se esforçando em não se dar conta, de que o medo que ela sente é o que realmente a tortura e o que a faz tomar decisões erradas, uma após outra.

 Acorda uma hora depois, sentindo seu peito apertado, pega o celular e manda uma mensagem para seu “amigo”: “Gostaria que você me entendesse. As coisas não são simples pra mim. Tanta coisa acontecendo... Você me faz muito bem. Amo muito você! Pra sempre! Espero que você ainda queira me ver. Mas se não quiser tudo bem. Eu vou entender. Bjos!
 Pouco depois seu celular dá um bip: “Você se esforça em complicar as coisas. Você deve sentir algum prazer em sofrer. E em me ver sofrer também. Mas acho que não consigo mais ficar sem você. Te espero amanha. Bj!".
 E em seu quarto, onde estudava para a prova de física do seguinte, ele sofre, porque espera força de alguém que possui muita fraqueza, e cria expectativas sobre o que não deveria, pois o esforço é apenas seu, da outra parte há apenas comodidade.

***

 O rapaz se levanta, veste a cueca e as calças.
 - Você já vai? Assim?
 - Tenho que ir. Você sabe.
 - vou sentir tanta saudade.
 - Não devia. Já te avisei que você não devia levar muito a sério essa história.
 A garota fica com um pouco de lágrima nos olhos.
 - Por que você me trata assim? Só queria ficar bem com você.
 - Eu também. E estou muito bem assim. Não vem arrumar encrenca não. Por que você não fica com aquele carinha que ta sempre atrás de você?
 - Eu não gosto dele pra isso.
 - Mas ele gosta de você. Você devia aproveitar a oportunidade de ficar com alguém que gosta de você de verdade, porque comigo não vai rolar nada além disso aqui não.
 - Às vezes parece que você só quer me magoar.
 - Não é verdade. To é pensando no que é melhor pra mim.
 Ele termina de se vestir, da um tchau, assim como quem se despede de alguém em uma entrevista de emprego, pega seu carro e vai para casa.

 Em casa, liga a televisão e senta-se no sofá. Está passando uma partida de futebol, do seu time, mas ele mal percebe isso, pensa na frustração que vive, lembra com saudade de sua ex-namorada, que o deixou porque descobriu que ele a traíra. Na verdade sua ausência em casa aumentou depois que começou a namorar novamente, agora com a garota que mora com ele. Ele tenta se convencer que isso é o melhor para eles, mas pensa com irritação na hora que ela vai chegar, e nos momentos que ela irá querer passar com ele, enquanto ele só quer ficar ali. De repente é envolto num abraço que vem por suas costas. Ele cumprimenta a namorada, ou não. Não tem muita certeza. Ela quer ir ao teatro com ele, ele só quer “paz”. Discutem e ela sobe as escadas em direção ao quarto. A porta bate.
 “Que saco! Vontade de ter ficado mais tempo fora mesmo. Eu podia ter arrumado outra cidade pra ficar mais um ou dois dias antes de voltar”
 E assim ele fica se torturando, forçando uma situação incômoda, porque por certo tempo, em certa época lutou para ficar com a mulher que tem hoje, mas na verdade era apenas pra tentar fugir de seu outro amor, que talvez pela impossibilidade de voltar a tê-lo, fica a pensar que seria a sua pílula da felicidade, no entanto não pode deixar escapar a vida “perfeita” que busca ter agora.

***

 A porta do quarto se abre, a garota está acordada há algum tempo. Seu namorado se senta ao seu lado.
 - Me desculpa. É que to cheio de problemas com o trabalho. Tá meio atrasado. E a viajem foi longa, cansativa...
 - Tudo bem. Deixe.
 - Einh... Quer sair ainda?
 - Não. Não vai dar tempo. Eu tinha que me arrumar ainda.
 - Vamo jantar em algum lugar. Esquecer essa discussão. Eu te amo e quero ficar com você.
 Ela se arruma. Eles vão a um restaurante. Lá, comem e se descontraem. O celular dela da um “bip”, ela olha: “To morrendo de saudads! Durma bem. Até amanhã.”
 - Quem é?
 - Ninguém. Propaganda só.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

"Sonhos" de uma noite de inverno

 Desço na rodoviária da cidade, o tempo não parece muito bom, um pouco de garoa e uma brisa fria. Faz tempo que não venho à praia, tudo bem que não deve ser tão divertida com esse inverno e sozinho, mas a solidão e o frio eu posso resolver fácil com a necessária quantidade de bebida. Sigo pela estrada que vai até o centro, onde mais à noite terá alguns shows. Nada muito empolgante, mas é alguma coisa. Vou para o mercadinho mais próximo e compro uma garrafa de gim barato, abro e dou um trago. As ruas ainda estão vazias, exceto pelo espaço coberto onde acontecerão os shows, que no momento está repleto de senhoras de meia idade jogando bingo, e crianças correndo até serem bruscamente paradas por agarrões firmes em seus cabelos por seus pais. Anjinhos. Vou em direção à praia, passo por lojas, lanchonetes e barzinhos fechados, uma caminhada de uns quinze minutos. A garoa pára, chego à praia, vou caminhando pela areia até chegar a uma formação rochosa com a qual o mar se choca, sento e fico bebendo enquanto vejo as ondas se quebrarem. Estou com um pouco de sono, deito sobre as pedras, o vento diminui. Algumas pessoas passam por mim, sem dar muita atenção, parece uma família de turistas aproveitando sua casa de praia, ou sem muito dinheiro pra ir pra um lugar mais quente.


 Desperto, pego meu celular para ver as horas: 17h17min. Ainda tenho dois terços da garrafa cheios, me levanto e vou para um barzinho pelo qual passei antes e estava aberto, onde a porção de batatas fritas parecia grande, barata e calórica, perfeita para me preparar para o resto da noite. No bar, como as fritas e observo o movimento aumentando na rua, viro um martelinho de cachaça e em seguida um copo de chope. Pronto! Vamos à “festa”. A música já começou a tocar, não sei como defini-la com certeza, é algo entre sertanejo, pop, e funk carioca. Agora a música esta lenta, um pouco a frente há três policiais encostados em uma viatura. Um jovem caminha na direção deles, um pouco atrás uma garota o filma com um celular. Ele está a um passo dos policiais, quando a música muda de ritmo para uma batida funk, o rapaz começa a dançar, rebolando e mexendo os braços ao ritmo da batida enquanto vai descendo até o chão. A música volta ao ritmo lento e ele se levanta, com um ar calmo dá as costas aos guardas e caminha em direção a uma pequena rua ao lado da viatura. Um dos policiais tira seu cassetete e tenta golpear o “dançarino”, este ao perceber a movimentação corre e escapa do golpe, mas em seguida o policial acerta um chute de raspão no pé do fugitivo, que cambaleia e vai correndo tentando recobrar o equilíbrio. Um dos outros policiais corre em “auxilio” do colega, quando os dois primeiros adentram a pequena rua a última coisa que vejo é o cassetete acertando as costas do rapaz, que se retorce e desaparece com os guardas a lhe seguir. A garota que filmava tudo acompanhou a ação a uma distância segura, os dois policiais voltam do beco, parecendo ter perdido sua presa, vêem a garota que ainda os filma, esta se vira e corre em direção ao espaço coberto, agora já lotado de todo tipo de pessoas. Provavelmente esse vídeo terá uma boa quantidade de acessos na internet.


 Encosto-me em um canto, longe do palco e sem tanto tumulto, não é o tipo de música que eu faço questão de ouvir, na realidade dificilmente eu estaria aqui se não estivesse acompanhado. Tomo mais um gole de minha companhia. Noto que uma garota olha bastante para mim, está sozinha, estico a garrafa em sua direção, num gesto para oferecer-lhe. Para minha surpresa ela vem até mim, pega a garrafa e da um longo gole. Amor à primeira vista! Ou mais ou menos isso. Não fiquei surpreendido pela atitude em si, mas sim pela pessoa que aceitou minha gentileza. Traços delicados, cabelo cuidado, maquiagem bem feita, mini-saia roxa com uma meia-calça grossa por baixo, ar agradável. Gostei.
- Ola. Não achei que você fosse aceitar o gole.
- Porque não? Meninas não podem beber?
- Podem. Mas não achei que você era dessas que bebem gim puro direto da garrafa rs.
- Você sempre julga as pessoas pela aparência?
- Nunca. Por isso te ofereci :).
- Você não parece o tipo de pessoa que gosta dessas músicas.
- É. Não gosto. Você quer ficar vendo as bandas?
- Não. Vamos dar uma volta.
- Qual o seu nome?
- Natalia. E o seu?
- Billy
Conversamos até chegar ao atracadouro, pouca luz, poucas pessoas passeando por ali. Eu a seguro e a beijo. Ela corresponde. Seguro sua nuca com firmeza, vou escorregando a mão por suas costas, quando minha mão chega próxima de sua bunda ela a pega e sobe um pouco, para sua cintura. Sentamos em um banco e terminamos a garrafa enquanto nos conhecemos melhor. Ela está sozinha na cidade, esperando duas amigas que chegam no dia seguinte, está hospedada na casa de uma delas. Fico olhando seus olhos, há algo muito singular em sua beleza, me aproximo e beijo novamente. Minha mão segura uma de suas coxas, vou subindo vagarosamente até passar do limite da sua saia. Ela me pára mais uma vez.
- Calma. Acho que era bom eu te contar uma coisa.
Ela levanta e caminha até uma parede próxima, eu a sigo, Ela se encosta.
- Teu namorado ta por aí.
- Não tenho namorado. Você vai embora quando?
- Amanha de manhã.
- Então é melhor eu falar agora mesmo. É que eu não sou o tipo de mulher que você ta pensando.
- Como assim? Você é uma garota de programa? Tudo bem por mim rs.
- Não. Na verdade eu não sou totalmente uma mulher.
- Tá me zoando né?!
- É sério.
Eu agarro sua coxa com força, ela está cabisbaixa e não se move, subo minha mão até sua virilha e ela continua inerte. Então sinto uma sensação nada agradável: um considerável “volume” entre suas pernas.
- Filha da puta!
Agarro seu pescoço e a forço contra a parede.
- O que que você tá pensando?! Se eu gostasse de homem eu teria procurado um!
Enquanto seguro seu pescoço com a mão esquerda, levanto a direita, pronta para acertar-lhe um soco, estou possesso e ela está ciente da cólera em meus olhos, começa a choramingar
- Eu devia te socar! Ou te dar uns tapas!... ou...
Olho pra ela, agora com mais frustração do que raiva.
... um puxão de cabelo... ou alguma coisa assim...
Empurro sua cabeça contra a parede e a largo.
- Vo sair fora. Fica longe de mim.
Viro-me, dou um passo, paro e olho para ela mais uma vez.
- Quantos centímetros o teu tem?
- Quatorze.
- Hum... Pelo menos isso... O meu é maior.
Viro-me novamente e saio, sem olhar para trás, frustrado, mas me sentido um pouco menos ridículo.

domingo, 3 de julho de 2011

Drogar-se ou não drogar-se? Eis a questão:

Qual a motivação de alguém que luta uma batalha que o resultado já é bastante previsível? Mais: qual a motivação para CRIAR essa guerra e se esforçar tanto em sua manutenção diante não mais de previsões, mas de resultados concretos, de derrota após derrota? Não pode ser simples ignorância, é absurdo pensar que somos governados por pessoas sem o mínimo de pensamento lógico, que nossos representantes, em sua maioria, são tão incompetentes e ignóbeis quanto tentam manter a população que representam. Será que a imagem de que a população em sua coletividade é estúpida, força nossos líderes a se mostrarem estúpidos para serem aceitos como verdadeiro reflexo de seus eleitores e assim continuar no poder?

 Acho que não. É uma estranha e triste coincidência que grandes “mentes pensantes” de repente, quando chegam aos jogos políticos, tenham sua visão tão estreitada e capacidade de reflexão tão engessada.  Unindo meu otimismo com a vontade de não ser ingênuo em subestimar as pessoas, a conclusão é que há um motivo, e que seu objetivo é tão filantrópico quanto ingênuo.

 Então, vamos às teorias conspiratórias:

“A indústria Norte-americana do nylon (derivado do petróleo), teme a concorrência com o tecido de cânhamo: três vezes mais durável, dez vezes mais forte que o algodão, natural em contraposição ao nylon, ecológico, rende muito mais que o algodão, cresce mais rápido, é mais barato, produz muito em pequena propriedade, recebe melhor os pigmentos, um tecido que respira mais...
A Nylon Du Pont foi quem financiou a campanha de difamação da Cannabis, financiou parlamentares pra criarem Leis proibindo-a. O Sr. Lammont Du Pont financiou a cadeia de jornais de Bill Hearst, comprador dos químicos da industria Du Pont, para atingir a opinião pública.
Andrew Mellon, proprietário da petrolífera Gulf Oil, Secretário do Tesouro dos EUA, emprestou dinheiro à Du Pont pra comprar a General Motors e forçou o Congresso a aprovar Leis pra criminalizar a maconha e pra diminuir impostos às petrolíferas... Petróleo gerador do nylon.” (retirado de: http://eunamatrix.blogspot.com/2009/06/ignorancia-parte-2.html)

 Li outra matéria há alguns anos, dizendo que a proibição da maconha nos EUA foi uma forma de (legalmente) discriminar os mexicanos  que viviam no país (manter certo controle social) – que eram em sua maioria agricultores e tinham o hábito de fumar a planta –, além de alavancar a venda de jeans – em função de favores políticos -, já que a cannabis era uma comum matéria prima para a produção têxtil, tanto é que se especula que canvas - como são denominadas as telas para pintura em várias partes do mundo - seja uma corruptela da palavra cannabis, da qual as telas para pintura e velas de navios, por exemplo, eram confeccionadas antigamente.

 E uma das minhas preferidas: capitalismo. A política e os lucros obtidos com o tráfico de drogas possuem não só uma estreita, como também “amigável” relação: 1- alguns traficantes podem ter se tornado políticos ao longo do tempo; 2- alguns políticos podem ter ser se tornado traficantes ao longo do tempo. 3- traficantes e alguns políticos mantêm uma relação na qual ambos lucram.

 O tráfico de drogas existe com a força que tem hoje, por causa da campanha de guerra contra as drogas. Quanto mais dinheiro se investe em seu “combate”, mais investimento é feito também por parte dos traficantes na administração de seu tráfico, isso inclui refinamento nas operações, especialização nas várias áreas das quais o tráfico depende e a compra de armamento bélico, mercado que em boa parte é alimentado pelo tráfico, gerando um ciclo bastante cômodo. E mais dinheiro empregado pelo governo no combate às drogas significa menos dinheiro empregado em outras áreas, além de uma possibilidade a mais para oportunidades de desvio de dinheiro público. O usuário alimenta o tráfico? A proibição alimenta o tráfico. Um grande exemplo conhecido há muito é o da lei seca nos anos 1930 nos EUA, que tornou célebres e ricos muitos gângsteres da época - entre eles o mais conhecido deve ser Al Capone.

 A legalização ou descriminalização das drogas diminuiria drasticamente os lucros dos traficantes, que migrariam para outras atividades ilícitas: uma grande falácia. Os traficantes já usam o dinheiro obtido com o tráfico para financiar crimes em outras áreas, e muitas vezes outros tipos de crimes são cometidos em função do tráfico de drogas. Mesmo que houvesse um aumento na prática de alguns crimes, o dinheiro jogado fora no combate às drogas poderia ser empregado no combate a esses crimes, com mais foco e eficiência. Digo “dinheiro jogado fora”, porque se esses investimentos realmente trouxessem um resultado desfavorável aos traficantes, não veríamos o crescimento e o aperfeiçoamento do tráfico ao longo dos anos.

 O tráfico provavelmente continuaria existindo com a legalização das drogas, mas em uma escala muito menor, porque já não compensaria tanto investimento na atividade nem no combate a ela. Seria algo como o contrabando de bebidas, cigarros, e produtos falsificados, que são um problema por sua qualidade, mas principalmente para os cofres públicos que deixam de arrecadar milhões com essa prática. Isso me leva a conclusão de que se existe algo que o governo permite, alguma parte de bastante influência está ganhando com a atividade.

 Muitos defendem que a maconha é uma porta de entrada para outras drogas. Isso é verdade, apenas porque o traficante que vende a maconha, também quer vendar a sua cocaína, o seu crack e qualquer outra coisa que lhe traga lucro. Apesar de não possuir vícios, sou um usuário esporádico de bebida alcoólica (como a coisa parece bem mais pesada posta dessa forma, não é?), sou a favor da descriminalização de quaisquer drogas, porque com controle sobre seu uso, o governo poderia aproximar as pessoas para um tratamento, ao invés de empurrá-las cada vez mais para perto dos traficantes. Além de que considero injusta essa proibição conveniente de drogas. Vamos proibir o uso das drogas? Então vamos definitivamente proibir o uso das drogas, aí podemos criar mais prisões e abarrotá-las ainda mais de gente. E você que sofre de enxaquecas, por exemplo, vai ser atirado atrás das grades se tomar alguma droga que alivie seu sofrimento e traga mais conforto e qualidade para sua vida.

 Dizer que o afrouxamento nas restrições às drogas influenciaria as pessoas em seu uso, é o mesmo que dizer que a liberação de drogas como bebidas alcoólicas, tabaco e café, por exemplo, incentiva as pessoas ao uso dos mesmos. É muito mais uma questão de informação e formação sócio-cultural do que qualquer outro fator que leva ao uso ou não-uso dessas substâncias.

 O foco de qualquer sociedade que aspira progresso deve ser a educação, a real conscientização do que é e do que deixa de ser, não uma oposição baseada no que alguns interessados simplesmente desejam que se acredite porque lhes é conveniente. É importante esclarecer as coisas, nunca mentir ou manipular dados. Maconha não mata, mas pode viciar, assim como o chocolate – substância psicoativa mais consumida no mundo -, ou o álcool – mas esse podendo levar à morte inclusive por intoxicação.

 Talvez se discuta tanto hoje em dia sobre a liberação da maconha, em boa parte pela pressão da indústria que visa lucros, na produção têxtil, de combustíveis, medicamentos e outros produtos industrializados que podem ser obtidos por meio da planta. E tudo isso com menor custo e maiores benefícios, já que o cultivo da cannabis ativa não necessita de agrotóxicos, cresce à grande velocidade, e toda a planta, desde suas sementes, pode ser aproveitada. Lucros que os governos não querem deixar de ganhar. Apesar de ser por motivos pouco nobres, espero que essa discussão, no final contribua para o amadurecimento da sociedade, mesmo que esse não seja o foco principal.

 Não apoio o uso de drogas, sou contra quaisquer vícios, mas antes, sou a favor da coerência e contra preconceitos em geral. Não sou viciado em qualquer droga, estou ciente dos males que causam, no entanto estou ciente dos males que causam o seu combate e dos benefícios que elas trazem em determinados usos. Um mundo sem drogas NUNCA existiu e nunca vai existir. Você, viciado em aspirinas ou descongestionantes nasais é um “drogado”, dependente de substâncias que trazem riscos à sua saúde sim, mas você é um usuário de drogas legais. Por isso você é menos “drogado”? Não, apenas as drogas são diferentes (para quem se interessa pelo assunto, sendo contra ou a favor, sugiro que assista ao documentário quebrando o tabu, atualmente nos cinemas).

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Cuidado com os sentimentos

 Sim, é necessário cuidado com os sentimentos. Alguns significados de cuidar: cogitar; pensar; meditar; refletir; interessar-se por; interessar-se com; reparar. As pessoas costumam usar essa palavra como um sinal de perigo, para manter distância. O medo é prejudicial, como já disse mestre Yoda: “O medo é o caminho para o lado negro. O medo leva a raiva, a raiva leva ao ódio, o ódio leva ao sofrimento”.

 Deixando o mestre jedi um pouco de lado, o medo nos impede de viver plenamente, existir é fácil, viver é bem mais complicado. Viver te faz correr riscos, você pode se machucar, mas quem quer viver enclausurado numa bolha? A questão é se vale a pena viver algo. Tudo vale à pena se a alma... Não! Ridículo! Ter o mínimo de bom-senso é necessário: têm coisas que realmente não valem à pena, todo mundo deve ter um repertório com alguns exemplos próprios, mesmo assim insistem em usar esses versos para justificar erros ou fingir um não-arrependimento – muitas vezes por antecipação. Com esses momentos que sentimos que algo não valeu à pena, o importante é aprender com a experiência, não errar novamente, o que não significa não arriscar, e sim calcular melhor os riscos. Essa é uma dica para administrar qualquer situação: riscos calculados.

 Só se vive uma vez – para os que crêem em outras vidas: só se vive uma vida de cada vez. Então faça essa vez valer à pena. Tem medo de morrer de amor? Mas quem vive para sempre? O que você deve perguntar-se é se vale à pena. Para isso é importante ter cuidado. Você gosta de alguém? Esse alguém te faz bem? Cuide desse sentimento. Esse alguém gosta de você? Cuide do sentimento dessa pessoa também. Pense a respeito, reflita, interesse-se. Isso não quer dizer manter distância, na verdade é aproximar-se, prestando a atenção necessária, e o quanto de atenção você vai dispensar acho que depende do quanto você se preocupa em “viver” esse momento.

 E como não sentir medo? É natural sentir medo, o que não devemos deixar, é que ele nos domine. Considero o medo intimamente ligado à confiança, se você confia, o medo não te atingirá. Se você não confia, isso se transformará em medo, e com medo tendemos a fazer coisas algumas vezes muito mais estúpidas do que com sua ausência. A maior confiança deve ser em você mesmo, e se essa confiança te levar a caminhos tortuosos, enquanto você tiver a consciência tranquila, sabendo que suas atitudes foram de acordo com o que você considera correto, que você agiu da forma que melhor pôde e, com outras pessoas, da forma como gostaria que agissem com você, pode ter certeza que se algo foi perdido nesse caminho escolhido, não foi importante, ou teve apenas a importância que deveria ter por determinado tempo, e agora sua vida pode seguir melhor. Sem olhar pra trás com nostalgia ou ressentimento, para quando olhar para o futuro não ter medo. E poder viver plenamente essa vida única, essa única vez.

Mas se lhe faltou um pouco de virtuosismo ou coragem nesses momentos de viver, talvez o resultado seja pelo menos em parte, um pouco do que você semeou. Aí talvez seja bom repensar um pouco suas atitudes, porque mais fácil é você mudar a você mesmo do que mudar o resto do mundo. Como já disse (aparentemente) Paulo Roberto Gaefke, num poema atribuído (indevidamente) a Carlos Drummond de Andrade: “o que importa é que sempre é possível e necessário "Recomeçar".” – mesmo com as críticas ao texto depois que descobrem que a autoria não é de Drummond, acho grande a beleza dessa frase, e que é auto-ajuda apenas para quem acha que precisa de tal coisa ou para os pseudo-críticos de plantão, que adoram alfinetar a esmo. Para mim é um belo ponto de vista.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Eu faço meu destino! Faço?

 Há muitos anos já, eu pensei sobre o destino e o quanto nós controlamos a vida que vivemos. Não tenho certeza, mas talvez a minha percepção a respeito disso tenha surgido através do conhecimento da 3ª lei de Newton: “toda ação provoca uma reação de igual intensidade, mesma direção e em sentido contrário”. É claro que essa lei não se aplica exatamente dessa forma nas relações sociais humanas, mas uma coisa é fato: toda ação – seja qual for sua natureza - gera uma reação. Mesmo a opção de ficar parado, não se manifestar diante de algum acontecimento, é uma ação. Você realizou a ação de permanecer no mesmo lugar, ou de não responder ou, seja lá qual seja a situação, você agiu. A total inércia, o completo fazer nada levado ao pé da letra, é algo impossível de por em prática.

 Assim, pensei que se pudermos determinar as variáveis existentes no momento de determinada ação, podemos prever a reação. Isso é o mesmo que prever o futuro, é dizer que tudo o que acontece, acontece porque deveria acontecer. Essa idéia parece assustadora para muitas pessoas, de considerar que talvez suas escolhas, decisões, não seja bem “suas”, mas simplesmente fatos que aconteceriam em função de determinadas situações. Um exemplo: um assaltante aponta uma arma pra você. Qual sua reação? As possibilidades são quase infinitas: você pode dar um soco, um chute, chorar, correr, ficar parado olhando para o assaltante, desmaiar, etc.. Mas se nós pudéssemos determinar como toda essa informação – o assaltante lhe apontando a arma – é processada por seu cérebro, levando em consideração as variáveis externas, obviamente poderíamos saber qual seria sua reação. O problema é que na prática isso parece impossível, porque um computador, para fazer uma análise dessas teria de levar em conta muitas, mas muitas variáveis: por exemplo, sua trajetória de vida até aquele momento, tudo o que se passou e tornou você a pessoa que você é hoje; teria que saber como se dá a transmissão de informações em seu organismo, a quantidade de substâncias liberadas em determinada situação e suas consequências para seu organismo especificamente, e as especificidades genéticas herdadas de seus pais; além dos fatores externos como iluminação, vento, temperatura, som no ambiente etc.. E se houvesse como determinar e analisar todas essas informações, para realizar a mesma experiência no minuto seguinte, as variáveis teriam de ser todas alteradas, pois tudo estaria um minuto diferente.


 Mas essas coisas nao passavam de meros achismos, então busquei referências a respeito, que pudessem sustentar minha argumentação.

 “Um experimento relacionado realizado posteriormente por Alvaro Pascual-Leone envolveu pedir a pessoas que escolhessem ao acaso qual mão mover. Ele descobriu que estimulando diferentes hemisférios do cérebro usando campos magnéticos é possível influenciar fortemente a mão que a pessoa escolhe. Normalmente destros escolhem mover a mão direita 60% das vezes, por exemplo, mas quando o hemisfério direito é estimulado eles escolhem sua mão esquerda 80% das vezes. O hemisfério direito do cérebro é responsável pelo lado esquerdo do corpo, e o hemisfério esquerdo pelo direito. Apesar da influência externa sobre sua tomada de decisão, as pessoas continuam a relatar que acreditam que sua escolha da mão foi feita livremente.” (Retirado da Wikipédia).

 Com uma simples variação, pode-se obter 80% de chances de certeza sobre uma ação humana, regida por sua “própria vontade”, seu “livre-arbítrio”.

 "os homens se consideram livres porque estão cônscios das suas volições e desejos, mas são ignorantes das causas pelas quais são conduzidos a querer e desejar" (Spinoza, Ética, apêndice do livro 1).

 E praticamente sintetizando meu pensamento, cito Laplace:

 “Nós podemos tomar o estado presente do universo como o efeito do seu passado e a causa do seu futuro. Um intelecto que, em dado momento, conhecesse todas as forças que dirigem a natureza e todas as posições de todos os itens dos quais a natureza é composta, se este intelecto também fosse vasto o suficiente para analisar essas informações, compreenderia numa única fórmula os movimentos dos maiores corpos do universo e os do menor átomo; para tal intelecto nada seria incerto e o futuro, assim como o passado, seria presente perante seus olhos” (citação na introdução do Essai philosophique sur les probabilités 1814)

 A teoria do caos defende a aparente aleatoriedade de certos eventos. Como exemplo, a alegoria do efeito borboleta (parte da teoria do caos): o bater de asas de uma borboleta pode ser responsável pela formação de um furacão do outro lado do planeta. Essa aparente aleatoriedade se dá pela impossibilidade de calcular todas as variáveis possíveis para determinado evento sem limites rigidamente definidos para que aconteça. Seria um argumento contra o determinismo, porém, a atual incapacidade de cálculo, não anula a possibilidade de sua existência.

 Os cristãos que talvez queiram defender o “livre-arbítrio” têm um dilema a resolver: como há livre-arbítrio se Deus é onisciente? Tanto é que algumas igrejas defendem um “meio-livre-arbítrio”, onde Deus tem seu plano, mas é escolha do homem segui-lo ou não. É incoerente, porque se ele é onisciente ele sabe qual será a escolha. E outras igrejas dizem que Deus já tem determinado os que serão ou não salvos. Alguns também defendem que Deus sendo onipotente, pode também querer decidir não saber o que irá acontecer. Usando como exemplo Cristo, que era Deus e ainda assim ignorante do futuro. Bom, Deus escolher pela ignorância dos fatos, não os torna imprevisíveis, e considero um jeito bastante sádico de ver Deus: um diretor que após ter produzido todo o filme, decide apagar sua memória simplesmente para poder melhor apreciar o entretenimento que criou.

 E qual o problema então? Parece-me que as pessoas que defendem a capacidade de fazer seu destino se sentem desestimuladas diante dessa perspectiva, e pensam que é uma desculpa para deterministas tirarem a responsabilidade de seus ombros. Não vejo problema numa vida determinista, porque pelo menos por enquanto, todos vão viver suas vidas sem saber do dia de amanhã. Isso não é tirar a responsabilidade, as leis humanas continuam agindo sobre as pessoas. O que fica em dúvida é a existência de uma verdadeira moral. Moralmente as pessoas não seriam condenáveis, já que seus atos são produto inevitável de determinados acontecimentos, o que por sua vez não os deixa livre de uma punição por esses atos, que apesar de “inevitáveis”, foram cometidos por eles.

 Viva e deixe viver! Realmente é estranho pensar que tudo acontece exatamente do jeito que deve acontecer, mas por tudo que eu disse acima, considero um pensamento bastante lógico. Se faz sentido, por que não aceitar? Por simples fé de que não é assim? A fé pode ser usada em ambos os lados, o que eu acho que deixa o determinismo em vantagem. Enfim, penso assim porque faz sentido, e isso não tira a beleza de viver, é apenas uma beleza diferente. Com os olhos voltados a uma perspectiva de que as coisas não são ao acaso, o que aponta para um propósito (que esteja claro: eu não afirmo que haja realmente tal propósito). Existe mesmo? Qual? De quem? Essas sim são questões polêmicas.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Você vê?

 Algumas belezas não são para todos os olhos. Algumas coisas têm sua beleza no aroma, na textura, no modo como as folhas das árvores caem sobre si com o vento. E outras, ainda, têm de ser abertas, descascadas, e podem ser realmente apreciadas apenas se devoradas, sem medos, preconceitos ou pudores. Há poesia nos cantos mais escuros e improváveis. Você vê?

quarta-feira, 15 de junho de 2011

O que te segura

 - Não vou poder sair nesse fim de semana. Tenho duas provas na segunda-feira e nem comecei a estudar ainda. To quase entrando em desespero com essa falta de tempo.

 - Por que você se desespera? Qual é sua âncora? O que te faz permanecer no mundo? Quem ou o que segura a linha que mantém seu corpo preso à vida?

 - O que você quer dizer?

 - Acho que todo mundo precisa de algo assim, para manter seus pés no chão, ou pelo menos te segurar um pouco para não se perder. E quando você se percebe quase solto, com a impressão de que a linha que te segura é extremamente fina, e que você não tem ainda certeza absoluta do quão forte são as mãos que a seguram? Ou que você não tem muita noção do próprio peso que pode ter nessas mãos?

 - Acho que todos criam suas linhas, consciente ou inconscientemente. Você não tem uma?

 - Sim. Mas é bem desagradável acordar quase todos os dias, sentindo que a linha pode arrebentar a qualquer momento, que os elos da âncora possam se romper e te deixar à deriva. Porque aí basta um sopro, uma brisa um pouco mais forte, uma onda um pouco mais violenta, pra te levar pra longe, para a exosfera e além. Lembro-me de certo dia:

 - Eu saí do quarto, cheio de gente jogando videogame. Passei pelo corredor, fui até a janela da sala e fiquei olhando por ela. Eu achava linda aquela vista. Os holofotes iluminando o prédio em frente, de cima a baixo. O céu todo negro, o asfalto e as arvores na calçada sendo iluminados pela luz branca que vinha das lâmpadas dos postes. A brisa refrescante entrando pela janela. E aquele sentimento de saudade e nostalgia em mim, que eu nem sei direito do que era. Ela se aproximou e se encostou ao meu lado. Eu, com os braços cruzados sobre a janela, segurei sua mão, que também estava sobre a janela e cruzada sobre seu braço. Ela disse: “O que foi? Por que você está assim?”. Eu respondi: “Você sabe por quê. Ah, nada.” A verdade é que ela era minha âncora no momento. Percebe que situação de desespero? Se ancorar em algo que não foi, não é e nunca será seu? Eu sabia que não era o primeiro, e que também não seria o último. Ouvi alguém se aproximando e me afastei dela e da janela, e fui em direção a cozinha. Era o namorado dela, que a abraçou, e depois eu já estava colocando conhaque no meu copo.

 Continuo:

 - Sinto cansaço, de tudo. Não sou contra a filosofia de que a vida é um grande ciclo. Mas o meu parece tão repetitivo nesse aspecto, de perder o objetivo. Meu objetivo de certa forma nunca é um fim, é sempre o meio. O objetivo torna-se sua própria manutenção. Um ciclo – esse sim – que eu acho que não deveria terminar tantas vezes, porque começá-lo de novo, de novo e de novo, é um grande pé no saco.

 - E você se sente começando de novo?

 - Sinto. Mas sabe aquela impressão de ato final? Então. É assim que sinto. Sinto-me sem mais linhas ou elos reservas. Tudo se desvanecendo e eu junto com esse tudo. Só resta essa linha, que eu não consigo ver a espessura, mas a vejo brilhar bastante, mesmo olhando de longe. E estou me agarrando a ela, aos poucos, mas cada vez mais forte, e puxando meus pés de volta ao chão.

 - Isso não é egoísta? Usar alguém assim como ancora? Jogar todo esse peso sobre alguém? Você mesmo deveria se sustentar.

 - Mas sou assim, e não é injusto, é uma troca. Proteção em troca de proteção, apoio em troca de apoio. Pois enquanto eu conseguir me manter de pé, farei sempre o possível por quem me segura, carregaria seu peso sobre minhas costas todos os dias que preciso fosse. Mas meu próprio peso, sozinho, infelizmente não consigo levar. Vai ver, eu realmente existo pra proteger, então esse deve ser o egoísmo mais altruísta que existe.

 - Acho que você tem problema.

 - Pode ser.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Amizades e amizades

 Entramos na loja de conveniências do posto de gasolina. A idéia era comprar uma garrafa de vinho para cada um, estávamos em cinco pessoas ali. Logo depois de nós, entrou uma guria e dois caras, todos com jeito de “mano” – mano e minas costuma ser o termo usado pra definir determinado estereótipo de alguns garotos e garotas, que normalmente inclui gostar de rap, usar roupas largas, bonés colocados de maneira excêntrica sobre a cabeça, as meninas com tranças e faixas no cabelo, um jeito de andar esquisito, como se tivesse com algum problema de postura e algum outro problema nas pernas, e um conjunto de gírias bastante peculiares. Começam a olhar as bebidas e eu percebo que um deles pega uma garrafa pequena de uísque e a coloca sob a blusa. Nesse momento meus amigos estão pegando as garrafas de vinho e levando ao balcão onde havia apenas um atendente. Fico indignado com a situação: “não vou deixar esses manos saírem daqui de boa com esse uísque enquanto nós estamos pagando pelo nosso vinho.” Fui até onde eles estavam. À medida que eu me aproximava, eles se afastavam da prateleira pelo outro lado. Quando cheguei na frente do uísque peguei uma garrafinha e coloquei sob a blusa também.
- O, Daniel! Passou o meu vinho aí já? Mas daquele outro, não esse de vocês. Depois agente acerta tudo.
- Ah! Que frescura Billy! Beleza.
Saímos da loja, eles vão para o carro do William. Eu passo pela janela do carona e jogo a garrafa no colo do Daniel.
- Da onde isso?
- Vamo sair fora.
Subo na moto e vamos para uma esquina próxima à casa de uma amiga beber nosso vinho – agora acompanhado de uísque.
- Ow! Não acredito que você pegou isso lá.
Eu explico toda a situação, que eu não poderia ficar de braços cruzados vendo os “manos” saindo com a bebida sem pagar enquanto nós, mesmo meio quebrados de grana, estávamos pagando.
 - Ah! Mas agora eu vo ficar louco Billy! Você sabe que eu não posso tomar uísque huahuahuahuahua.
William fala:
 - O Billy é foda! Huahuahuahua.
 E bebe um pouco do uísque, que foi aberto no carro mesmo. Juntam-se a nós, a Pauli – a amiga que morava na rua onde bebíamos - e o Leonardo – namorado dela -, e entregamos as garrafas de vinho que compramos para eles. Eu tive a infelicidade de escolher um vinho que não vinha com uma tampa fácil de abrir igual aos dos outros, o meu tinha uma rolha, e nós não tínhamos saca-rolhas. Tive que usar a velha técnica de prender a garrafa entre os pés, no chão, enquanto forçava a rolha para dentro da garrafa com a chave mais comprida que eu tinha, usando as mãos e apoiando o peso do corpo sobre elas. Tinha que ser rápido e com força - pra não machucar muito as mãos -, depois que a rolha entra, basta beber tomando cuidado para que a rolha não obstrua o gargalo da garrafa. Bebemos os vinhos. Depois de algum tempo de "treino", uma garrafa de vinho não é o suficiente para deixar uma pessoa totalmente feliz e nem por muito tempo, então preparamos um tubão:
 A definição que considero mais correta para “tubão”, é basicamente, qualquer bebida alcoólica misturada com qualquer refrigerante. A bebida alcoólica dever ser preferencialmente destilada e com mais de 30% de volume alcoólico, misturando-os numa proporção entre 70% e 40% de refrigerante – a variação fica a gosto e normalmente muda à medida em que se bebe. Essa é a receita clássica, mas há variações com bebidas mais fracas e suco substituindo o refrigerante, o que eu já classificaria como “suco gummy”. O nome “tubão”, imagino que tenha relação com a garrafa de dois litros de refrigerante usada em seu preparo. Quando há espaço suficiente na garrafa – o espaço algumas vezes é arrumado jogando fora uma quantidade do refrigerante, caso ninguém queira bebê-lo puro -, faz-se a mistura direto nela, assim fica o tubão preparado para beber direto no gargalo – os “manos” têm o costume de torcer e amassar a garrafa a medida em que ela vai esvaziando, não tenho certeza do porquê.
 Com uma garrafa de um litro de pinga e uma garrafa de refrigerante de dois litros sabor limão, preparamos o clássico drink em alguns copos descartáveis.
 Daniel visivelmente alterado - ja tinha acabado com a pequena garrafa de uísque quase sozinho:
 - Vamo beber lá na frente de casa!
 Eu peguei a minha moto e fui com a Carla, namorada do Daniel, na garupa. O Daniel e a Leni vão com o William no carro dele. A pauli vai no carro do Leonardo. Encostamos os carros e a moto próximos ao meio-fio, em frente à casa do Daniel. Preparamos mais alguns copos e ficamos conversando e bebendo.
A Leni, a Carla e o William estão na calçada em frente ao carro. Eu estou muito bêbado – assim como acho que estavam todos ali – entre o carro e a Carla, conversando com a Pauli. O Daniel conversa com o Leonardo, ambos sentados no meio fio, próximo à roda traseira do carro de Leonardo. A Pauli entra no carro do namorado pelo lado do motorista e liga o rádio. Eu abro a porta do carona e sento ao seu lado.
 Debruço-me sobre ela e a beijo.
 - Billy! Seu louco! O Leonardo ta aí fora.
 - Eu sei.
 E a beijo de novo. Nossos três amigos olham para dentro do carro parecendo um pouco surpresos, acho que não com o beijo, mas sim com o momento em que ele acontecia. Leonardo fala para Daniel:
 - O Daniel, você que é bem amigo do Billy, me responde uma coisa. Eu sei que ele e a Pauli são super amigos, tão sempre juntos, mas você não sabe se eles ficaram alguma vez? Sei lá... No tempo que eu e ela não tava namorando?
 Daniel percebeu os olhares estranhos voltados para o interior do carro e imagina o que está acontecendo ali. Ele olha para Leonardo e diz:
 - Ah, acho que nunca rolou nada não. Acho que eles só são bem amigos mesmo.
 A Pauli me empurra de vez para fora do carro, eu saio com meu copo vazio e me junto ao trio de amigos que estavam ali fora e encho mais um copo.

terça-feira, 7 de junho de 2011

Fazer o melhor impossível

 Escolhi este título, pelas impossibilidades a que nos impomos algumas vezes – sem nos darmos conta dessa situação. Até onde pode aguentar um ser humano? Até onde lhe é possível. Todos nós temos um limite do que e quanto podemos suportar, física e metafisicamente falando. Cada um tem sua própria “cruz” a carregar, mas comparações entre uma pessoa e outra - levando apenas isso em consideração -, são absurdas, porque assim como diferem as “cruzes” em peso e tamanho, diferem também em força os ombros que as carregam.

 As pessoas cobram constantemente e desmedidamente, a si mesmas e a outras pessoas, sem parar pra pensar nos pormenores. Porque o importante é agir e ter sempre mais, seja do que for. A condição humana de certo modo parece que se resume a uma incontrolável, sádica e constante competição – mesmo que seja uma competição contra si mesmo, uma autoflagelação. Eu penso o quanto esse excesso de cobrança pode ser prejudicial. Precisamos ter metas, objetivos, e fazer o possível para alcançá-los. Mas o “possível” para uma pessoa não é necessariamente o “possível” para outra. A verdade é que sempre haverá alguém melhor ou mais forte – e isso é algo bastante difícil para uma pessoa orgulhosa admitir -, o que parece exceção a essa afirmação é marketing.

 Lembro-me de um trecho de “os sofrimentos do jovem Werther” de Joahan Wolfgang Von Goethe, em que Werther discute com Alberto sobre o suicídio. Alberto diz que é uma fraqueza, porque é muito mais fácil acabar com a vida do que suportá-la. O argumento já começa falho, pois levando em consideração o que afirmei anteriormente, há “vidas” e “vidas”. Werther rebate comparando o desespero do suicídio a uma doença mortal, que ataca, ao invés do corpo, o espírito. E que condenar uma pessoa por sucumbir a uma doença que seu corpo não pode suportar é uma idéia absurda, e assim também o é com o espírito. Mas o ponto para o qual quero chamar atenção aqui não é o suicídio, é o limite.

 As pessoas se culpam – e a outras pessoas também – por não conseguirem determinado bem – material ou não. Culpam-se por dizerem algo que acham que não deveriam ter dito. Culpam-se por fazerem algo que acham que não deveriam ter feito. Condenam a si e a outros constantemente. O que realmente deveria importar é se você fez tudo o que lhe foi possível fazer, para determinada situação em determinado momento. Como você pode condenar alguém por não fazer algo que não lhe era possível fazer? Eu comparo esta situação a um balde sendo cheio de água – acho que muitas vezes essas analogias são disparates, como costuma acontecer bastante em alguns “provérbios chineses”, mas neste caso acho que a analogia funciona bem -, em um certo momento esse balde vai transbordar, e você vai culpar o balde por não suportar toda a água que foi jogada sobre ele? O balde suportou o quanto lhe foi possível.

 O importante é fazer o melhor que se pode fazer. Nessa questão, o melhor torna-se um tanto subjetivo, porque depende de fatores como noção de certo e errado, moral, ética, etc.. Mas VOCÊ sabe – ou deveria começar a perceber – que faz o melhor que pode. Quem perde pelo simples prazer de perder? O melhor que podemos fazer nem sempre é o melhor que achamos que poderia ser feito, mas é sensato lamentar-se por isso? E como saber o que é possível? Bom, isso me lembra La Place, Newton e Hawking. E fica para outro texto, sobre possibilidades.

 Fazer o que se considera correto, sem culpa, e não conflitando seus ideais e interesses, acho um bom modo de se fazer o melhor possível. Seu balde transbordou? É a natureza das coisas. Aceite o que for inevitável, e faça o melhor que lhe for possível fazer.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

D. H. Lawrence, Charles Bukowski, Ernest Cline

 Apesar desse blog se destinar a textos de minha autoria, considero válido postar aqui algumas grandes influências para o meu conto: “Autopiedade”. O título e o personagem, foram claramente uma referência ao excelente e breve poema de D. H. Lawrence, que reproduzo abaixo:


Self Pity

I never saw a wild thing
sorry for itself.
A small bird will drop frozen dead from a bough
without ever having felt sorry for itself.


(tradução)
Autopiedade

Eu nunca vi uma coisa selvagem
sentir pena de si mesmo.
Um pequeno pássaro cairá morto de um galho, congelado,
sem nunca ter sentido pena de si mesmo.


 Tradução retirada do livro “Tudo que vive é sagrado”, poemas de William Blake e D. H. Lawrence (traduzido por Mário Alves Coutinho). Editora Crisálida, 2001. Esse poema ficou bem famoso por aparecer no filme "até o limite da honra" (G.I. Jane) de 1997, com a Demi Moore. Inconscientemente, outro trabalho que talvez tenha contribuído para meu texto, foi o poema "bluebird" de Charles Bukowski:


Bluebird
Pássaro azul

Em meu coração existe um pássaro, que quer sair
mas sou mais forte que ele
there's a bluebird in my heart that, wants to get out
but I'm too tough for him

Eu falo "fica aí dentro,
eu não vou deixar ninguém te ver"
I say, stay in there, I'm not going
to let anybody see you

Em meu coração existe um pássaro, que quer sair
there's a bluebird in my heart that, wants to get out

mas eu taco uísque nele e respiro fumaça de cigarro
e as putas e os barmen e as caixas do mercado
nunca sabem que ele está aqui dentro
but I pur whiskey on him and inhale cigarette smoke
and the whores and the bartenders and the grocery clerks
never know that he's in there

Em meu coração existe um pássaro, que quer sair
mas sou mais forte que ele
there's a bluebird in my heart that, wants to get out
but I'm too tough for him

Eu falo "fique aí, você quer me pôr em apuros?"
"você quer estragar meus trabalhos?"
"você quer estragar as vendas dos meus livros na Europa?"
I say, stay down, do you want to mess me up?
you want to screw up the works?
you want to blow my book sales in Europe?

Em meu coração existe um pássaro, que quer sair
there's a bluebird in my heart that, wants to get out

mas eu sou mais esperto,
só deixo ele sair de noite, às vezes
quando todos estão dormindo
but I'm too clever,
I only let him out at night sometimes
when everybody's asleep

Eu falo "sei que você está aí, então não fique triste"
daí o ponho de volta, mas ele ainda canta um pouco aqui dentro,
Eu não o deixei morrer totalmente.
I say, I know that you're there, so don't be sad.
then I put him back, but he's singing a little in there
I haven't quite let him die.

e a gente dorme junto desse jeito
com nosso pacto secreto
e é bacana o suficiente para fazer um homem chorar
and we sleep together like that
with our secret pact
and it's nice enough to make a man weep

mas eu não choro, você chora?
but I don't weep, do you?


 Digo inconscientemente, porque só depois de ter escrito o texto, foi que me lembrei desse poema. E uma referência mais recente que penso valer a pena dar uma olhada, é o seguinte vídeo:



 Mais especificamente, a parte que diz que o ser humano é o único animal que sente a necessidade de ser feliz.

 O texto do vídeo é atribuído a Ernest Cline, geek que escreve alguns poemas, blogueiro etc., e é o principal roteirista do filme “Fanboys” - Quem curte “Star Wars” ou um bom filme deveria assistir. Aqui um ótimo texto escrito por ele – uma verdadeira obra-prima nerd :) :


"Autor de Pornôs Nerds"

Eu notei que não parece haver muitos filmes pornôs que são feitos para caras como eu.

Todos os filmes de putaria que eu vejo são mirados para machos-alfa-bebedores-de-cerveja-em-bares-de-esportes, caras que gostam de suas mulheres burras e submissas, caras que só gostam de meter com ninfetas monossilábicas famintas por pica, com peitos do tamanho de melões e três palavras no vocabulário.

Filmes adultos são povoados dessas mulheres feitas com lipoaspiração e injeções de colágeno, muitas que recorreram à cirurgia e auto-mutilação, numa tentativa de se parecer do jeito que lhe pediram para aparecer.

Essas não são mulheres. São objetos. E esses filmes não são eróticos, são patéticos. Essas coelhinhas-cabeças-ocas-trepadeiras não me atraem. Me enojam. E não é porque eu sou contra pornografia. Quero dizer, sou um homem. E homens precisam de pornô. É um fato: "Como um pastor precisa de dor, como uma agulha precisa de uma veia", homens precisam de pornô.

Mas eu não quero essa pornografia machona, misógina, que odeia as mulheres. Eu quero filmes pornôs que são feitos para caras como eu: caras que sabem que a coisa mais tesuda do mundo é uma mulher que é mais esperta que você.

Você pode comer todo o "time de cheerleaders", mas eu quero a garota com suéter e óculos de tartaruga, Betty Finnebowski, a sabichona. Oh, sim. Eu quero copiar a lição de Trigonometria dela, e então fazer um amor louco e apaixonado com ela, por horas e horas, até que ela relutantemente pede pra parar, porque não quer perder Battlestar Gallactica. "Summa cum Laude", meu bem! Isso é o que eu chamo de erótico.

Mas você acha esse tipo de mulher num filme adulto comum? Não. Por isso que eu vou começar a escrever e dirigir um Pornô Nerd. Eu serei a quintessência do Cinema Pornô Nerd. E as mulheres nos meus filmes serão do tipo que levarão os nerds como eu à loucura e ao desejo.

Estou falando sobre as garotas que costumavam foder com a "curva de aprendizado". As garotas do Clube de Latim e do Projeto de Extensão Universitária. Gatas com roupas estranhas, aparelhos nos dentes, quatro-olhos e que estão em primeiro lugar no ranking de notas da faculdade. Ratas de biblioteca, com Currículos LATTES e chips nos ombros.

Minhas estrelas pornôs virão em todos os tamanhos e estilos. Minhas estrelas pornôs estarão ocupadas demais trabalhando no TCC para ir à academia.

Em meus filmes pornôs, as garotas nem precisarão ficar peladas. Elas levarão os caras à sala de audiovisual e surrarão eles no xadrez, e então falarão por horas no Princípio da Inconstância de Heisenberg, e mesclando metáforas sociais nos filmes do Alien.

Compre ações em companhias de creme pra mãos, porque vai haver escassez no mercado...

E não estou falando só de pornô hétero. Não mesmo. Tem que haver filmes de putaria para meus irmõs nerds de todas as orientações sexuais. Filmes pornôs-gay-nerds como "Caverna do Drag-queen".

Essa idéia é uma mina de ouro. Eu farei milhões. Porque no país inteiro existem milhares de programadores e engenheiros mecatrônicos, e eles não possuem a satisfação que realmente precisam. E você pode ajudar...

Se você é uma mulher inteligente, interessada em entrar para a indústria do cinema adulto, e pode dizer o nome do planeta natal de Luke Skywalker, então você está dentro. Não importa se você acha que está acima do peso ou não é atraente. Não importa se acha que não é bonita. Você É bonita...

E eu farei de você UMA ESTRELA.
(retirado do site http://thecokeinc.blogspot.com/2008/03/autor-de-porn-nerd-de-ernest-cline.html )


 No momento, não tecerei maiores comentários sobre os escritos acima. Deixo que as poucas pessoas com um tempinho livre para dar uma passada aqui tirem suas conclusões.

Autopiedade

 À tarde, o vento sopra cada vez mais forte. O céu escurece, como nos dias em que parece que a noite se apressa em chegar. É inverno e as árvores são distantes umas das outras. O pequeno pássaro aninha-se, solitário, tentando se proteger do frio. A noite cai em definitivo e o breu toma conta da paisagem. O pássaro nada sente, além do frio, do balançar dos galhos, da árvore, do frio. A tempestade aumenta, galhos se quebram e o pequeno ninho, do pequeno pássaro, voa com o vento. Desprevenido e confuso o pássaro tenta equilibra-se no ar, mas ele nada sente, além do vento revirando seu corpo e seu corpo batendo com violência em uma árvore, para em seguida bater com violência no chão. Seu corpo dói, suas penas estão encharcadas, seu corpo é pressionado pelo vento contra o vão ao pé da arvore. E então ele adormece, porque nada sente.

 Na manha seguinte, a geada no solo abraça o pequeno pássaro, seu corpo inerte. E os pequeninos cristais de gelo começam a se desmanchar quando os raios de sol começam a tocá-los. Passam-se horas e o pássaro desperta. Vagarosamente levanta, tenta mover as asas e pia, porque nada sente. Quando seu corpo recupera o calor e ele consegue voar, junta gravetos pela mata e constrói seu ninho, galho após galho e aninha-se ao entardecer. Adormece, sem nada sentir.

 O vento da tempestade arrastou o pássaro para muito longe de seu antigo ninho. Quando amanhece ele pia e se prepara para voar. Abre suas asas e lança vôo. Por entre as arvores de casca seca ele procura algum fruto. A fome aperta seu estômago e o impele a voar, incessantemente. E é o que ele faz, porque nada sente. Até que aparece à sua frente uma frondosa árvore, cheia de viço, cor. De seus galhos pendem frutos que brilham e os olhos do pequeno pássaro, que nada sente, até começam a brilhar. Ele pousa em um dos galhos e se farta daquele fruto enquanto o cinza das outras arvores enche-se de cinza, o ar da manhã enche-se de aroma e o pequeno coração do pássaro enche-se de calor. Quando se dá conta – pela primeira vez em toda sua existência ele se dá conta -, ele sente. E sente a alegria de seu corpo aquecido ao sol, do vento passando por suas penas, do seu próprio piar saindo de seu bico. E ele voa feliz e sentindo, até chegar ao seu recém construído ninho. Que agora é seu recém destruído ninho. Ele não entende. O ninho não existe mais, só os galhos que o compunham, espalhados pelo chão. O pequeno pássaro não entende, mas sente. Lembra-se da noite tempestuosa. Agora ele sente o frio, sente a dor em seu corpo, sente os inúmeros vôos em busca dos galhos certos para o novo ninho e, quando percebe as nuvens se fecharem, sente medo.

 Agora, ao pequeno pássaro só resta o desanimo e o passar das horas quando olha para onde deveria estar seu ninho. Ele se lembra da árvore, do fruto. Começa seu vôo até aquele maldito lugar, que lhe deu tanta felicidade, porque agora o que ele queria era a alegria daquela manha, ou o não-sentir de sua antiga vida. Ao aproximar-se do local percebe fogo na árvore frondosa e nas árvores secas ao redor dela. Pequenas gotas de chuva começam a cair, já é tarde. E cada pequenina gota o pássaro sente. Sente cada segundo da noite anterior e do gelo quase partindo suas pequenas garras pela manhã. E sente também todas as outras tempestades pelas quais passou, algumas piores e mais crueis. Então ele voa para o alto e, em seguida, mergulha em direção a árvore incandescente. E se enterra na brasa vermelha que se tornou o tronco da árvore. Ele arde, ele sente. Sente o calor, uma alegria triste, uma tristeza feliz. Deseja que o fogo não o abandone. Deseja que o fogo o segure firme em seus braços. O pequeno pássaro não pia, apenas aguarda parar de sentir, de tanto que sentiu. Porque em um dia ele sentiu o suficiente por sua vida inteira. Naquele dia sua vida inteira ele sentiu. Por ser apenas um pássaro, que acabara de começar a sentir, não entendia as coisas, apenas as sentia, e a última coisa que sentiu foi: “maldito o dia em que comecei a sentir”.

sábado, 4 de junho de 2011

Romantismo virtual

 “Ela ainda não me respondeu se vamos nos encontrar amanhã. Vou mandar uma mensagem”
 - ow... vc nao disse se agente vai se v amanhã
 - depende a hra...q hras vai rolar?
 - disseram q se xegar antes das 21hs nao paga entrada. eu qero xegar as 18hs pq ateh 20:30 eh double drink huahuahuahuahua
 - 18 hrs eu nao consigo chegar.... So la por 19h... Pq eu nao vou p aula d noite.. Dai preciso ficar la d tarde! Vc qm sabe, so fico meio sem graça d aparecer la sozinha! Bjoo boa noite =*
 - como assim sozinha??rsrs agnt se fala amanha.chegamos as 19hs entao rs ;) boa noit! durma bem! sonhe comigo! bjs!!!
 - achei q vc ia as 18h dai eu ia chega la as 19 sozinha..rsr mas beleza então! Podexa...ve se faz o mesmo... Mas num vale sonho pornográfico... Por favor...pervertido! =/
 “preciso pensar rápido. Essa é minha chance de escrever algo realmente bom. Algo que a deixe com as pernas tremendo, com desejo, envaidecida. Vou exaltar minha admiração, não apenas por sua beleza, mas suas qualidades em geral. Mas tenho que escrever já! Antes que ela vá dormir”
 E as palavras vão surgindo, uma após outra, junto com seu pensamento:
 - :/ como assim?? q culpa eu tenho se t desejo a todo momento? se longe de vc soh penso qndo vo poder t encontrar d novo? Se qndo to perto nao consigo m conter, independente d ond e com qem stejamos, d tanto q t qero? :( se t admiro de tantas formas, por vc ser a pessoa special q eu vejo q vc eh? se t axo toda linda, em todos os sentidos, e adoro cada parte do teu corpo? :) sua boca, suas pernas, seus seios... vc! bjs!!!
 “Nossa! Perfeito! Praticamente uma poesia escrita em prosa. Espero que tenha dado tempo de ela ler. O que será que vai me responder? Acho que consegui exprimir tudo com sinceridade, e com toda certeza ela perceberá isso. Que satisfação estou sentindo agora. Mal posso esperar por sua resposta. Sei que ela não é das garotas mais românticas e sensíveis do mundo, mas depois dessa mensagem, é claro que ela vai ceder um pouco”
 - pervertido!!! hahahahahahaha... Vou dormir porque vai ser foda acorda 7h amanha bjo
 “Ou não :/”

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Uma questão de oportunidade (O inferno existe? - parte II)

 Ela estava linda, radiante, com seus cabelos ruivos balançando ao som da música. A forma que seu corpo se movia era alucinante. Marcos ficou praticamente a noite toda ao lado dela, tentando acompanhá-la. Até que ao final da festa, ela demonstrou que não ia rolar nada, então marcos ficou com a amiga da ruiva mesmo. Era ainda mais bonita, mas tinha namorado, o que fez marcos pensar que teria poucas chances. Algumas luzes acesas no salão de festas, luzes fracas, e uma música lenta tocando. Tudo perfeito. Ele a puxa para perto de si e a beija.
 - E seu namorado?
 - Terminamos há umas duas semanas mais ou menos.
 O tempo passa e ele se apaixona por ela, e ela por ele – pelo menos era o que ele achava. Passam-se 6 meses, e o relacionamento deles não evolui. Na realidade ela ainda ama o ex-namorado e ele não a deixa em paz, está sempre tentando permanecer próximo dela.
 Em uma tarde, Marcos e Cláudia estão andando por uma praça, de mãos dadas – o que era algo difícil de acontecer: estarem tão próximos e à vontade, sem se preocupar que outras pessoas pudessem vê-los juntos. Sentam-se em um banco e se beijam. Foi um dos melhores momentos que já teve com ela. À noite vão para a casa de Cláudia, deitam-se na cama e assistem a um filme. O filme acaba, a tv é desligada, as luzes já estão apagadas. Ele sobe sobre ela e a beija. De manha marcos exige uma posição definitiva de Cláudia. Ou ela realmente fica com ele ou eles não ficariam mais. No dia seguinte Cláudia reata o namoro com seu ex-namorado. Na realidade ela era fraca, covarde e insegura. Bastava que o cerco apertasse a sua volta para que ela pulasse fora.
 9 meses depois nasce a filha de Cláudia e Leonardo. Nem com os cabelos negros da mãe ou loiros do pai. Castanhos, escuros e lisos, coincidentemente muito parecidos com os de marcos.
 Dois anos mais tarde Marcos se casa com Rosa - amiga de infância - e têm um filho. Leonardo que durante esse tempo se tornou seu melhor amigo é o padrinho de casamento e também da criança. No começo foi difícil estar tão próximo do homem que lhe tirou a mulher que ele amara tanto, mas quanto mais o tempo passava, mais amigos ficavam, até se considerarem como verdadeiros irmãos. Marcos vai levando sua vida, abre em casa uma pequena assistência técnica para conserto de computadores. Mantém durante todo esse tempo uma amizade saudável com Cláudia. Mas em sua casa, depois de 5 anos as coisas não vão tão bem:
 - Nós precisamos de dinheiro! A prestação do carro está atrasada, e se não pagarmos o aluguel até amanhã você vai pagar a multa. Meu salário do hospital – onde rosa trabalhava como ajudante de serviços gerais – não vai dá pra pagar todas as contas!
 - Eu sei disso. Eu vou ter o dinheiro.
 - Onde você vai?
 - Beber!
 - Espera aí!
 Marcos sai. Vai até o bar na esquina da rua onde moravam e toma uma dose de cachaça acompanhada de uma garrafa de cerveja. Sente-se bem melhor. Seu celular toca:
 - Oi. Marcos?
 - Oi. Tudo bem Cláudia?
 - Tudo. Na verdade to com um problema no computador. Você tá muito ocupado pra vir aqui dá uma olhada?
 - Não, não. Já chego aí.
 Ele manda uma mensagem para o celular da esposa dizendo que vai à casa da amiga para ver o que há de errado com o computador.
 O computador está no quarto. Marcos procura o problema. Nada muito complicado, o serviço é rápido.
 - Onde está sua filha?
 - Foi te chamar na sua casa. Você não estava e ela pediu pra ficar lá brincando.
 Um pouco de silêncio. Ele senta na cama e olha pra baixo.
 - O que foi?
 - Nada não. Problemas em casa. Normal.
 - É assim pra todo mundo. Eu tenho que ficar dias às vezes sem ver o Leonardo. Faz 3 dias que ele saiu com o caminhão e só volta amanhã. Não é fácil.
 - É, bastante tempo pra um homem ficar longe de sua mulher – marcos mostra um sorriso malicioso.
 - Ai! Eu confio no meu marido. Sei que ele não me trairia.
 Marcos sabia que isso não era verdade. O amigo realmente amava muito a esposa, mas não passava sozinho todos os dias que estava longe de casa. A mulher vai em direção ao aparelho de som, próximo de marcos, e coloca um cd, que toca em um volume bem alto. Então Marcos se aproxima mais de Cláudia, ela se aproxima também. Quando percebem já estão nus e rolando pela cama, em êxtase. Até que a porta do quarto é bruscamente aberta. Marcos, que estava em cima da mulher é empurrado por ela, e salta para o lado da cama próximo à porta. Não sabe o que pensar ou o que dizer, e não tem tempo para isso: Leonardo acerta-lhe um chute no estômago. Marcos fica sem ar, abaixa a cabeça e recebe mais um chute, as paredes giram, a visão fica turva, ele apaga.
 - Se fosse qualquer outro, eu apenas deixaria ir embora. A culpada é a vagabunda! Ela me devia satisfações e respeito. Mas você! Eu confiava mais do que confio em mim mesmo!
 Marcos sente uma dor aguda e desperta totalmente. Fica apavorado com o que vê: seu pênis ensanguentado no chão. Seus gritos são sufocados pela fita ao redor de sua boca. Seus pés e mãos presos pelo mesmo tipo de fita adesiva e, pela fita dos braços, Marcos e Cláudia estão pendurados em ganchos chumbados à parede, em lados opostos, na área de serviço da casa. Ele queria ter a chance de explicar ao amigo o que aconteceu – Leonardo devia pensar que estava sendo traído durante todos aqueles anos, em que trabalhara tendo que viajar e ficar por muitas vezes vários dias longe de casa. Olhando para frente, vê Cláudia, e seu seio esquerdo sendo separado de seu corpo por uma faca ensanguentada. Em seguida ele vê o amigo ajoelhar-se:
 - Não se preocupem com a morte. Vocês provavelmente vão sobreviver a esses ferimentos, e vão lembrar pra sempre desse dia, e se arrependeram pelo resto de suas vidas! Eu posso até ir para o inferno, mas irei sabendo que vocês viverão com o castigo que merecem.
 Passam-se alguns minutos, marcos sente um constante latejar entre suas pernas, e um pouco de tontura. À sua frente, está Cláudia, com uma aparência exausta, com o rosto molhado de lágrimas e suor. A porta da área de serviço se abre. É Rosa. Um misto de desespero, vergonha, esperança, euforia, tomam conta de marcos. Rosa com um olhar perplexo observa a cena. Pega a faca do chão e vai na direção do marido, que agora se encontra apenas em desespero: “eu só quero a chance de me explicar! Não busco perdão. Eu mesmo enfio essa faca em meu peito! Só quero poder contar o que aconteceu! Sei o que as pessoas vão pensar, as conclusões que iram tirar, e não é verdade. Só quero que alguém saiba o que realmente aconteceu.” Mas as palavras ficam só em seu pensamento, pois a fita continua tapando sua boca. A faca passa em sua garganta, o sangue escorre, ele engasga, não consegue respirar, tudo fica escuro. E há tempo apenas para um último pensamento: “eu só queria poder explicar.”

quarta-feira, 1 de junho de 2011

O inferno existe?

 Leonardo dirige o caminhão da empresa pela estrada tranquila. Avista no acostamento um jovem casal pedindo carona. Ele pára e aguarda, enquanto os dois correm em direção ao caminhão.
 - Muito obrigado por parar.
 - De nada. Subam. Agente não pára o caminhão pra qualquer um na estrada. É muito perigoso. Mas vocês não são bandidos, né? Pelo menos não tem cara rs.
 - Não. Não somos não rs.
 O caminho é longo. O caminhoneiro conta o quanto gosta do seu trabalho, que apesar de tudo paga um salário razoável. Conta com orgulho dos cursos de especialização que fez para manter-se atualizado no mercado de trabalho. Fala também do quanto é difícil ficar longe da mulher e da filha de 7 anos, algumas vezes por dias.
 - Casei muito cedo. Engravidei minha mulher quando agente tinha 17 anos.
 O rapaz responde:
 - Cedo mesmo. Mas você se dá bem com a família dela?
 - No começo era foda. O pai dela não queria que agente ficasse junto de jeito nenhum. Mas hoje nos damos super bem. Vamos pescar junto. Hoje ele é meu amigão.
 Conversam sobre mais algumas banalidades, ao som de alguma música estilo dance, poperô. Mas apesar de todas as dificuldades, ele fala sobre como é feliz, sobre como ama sua mulher e filha, e que especialmente hoje, está muito feliz porque vai conseguir chegar à sua casa um dia antes do que esperava.
 Depois de alguns quilômetros, os jovens descem, vão pegar uma estrada diferente. Agradecem e seguem seu caminho para uma próxima carona. Leonardo vai em frente, escutando sua música, olhando a paisagem, às vezes inóspita, às vezes com fábricas, às vezes com casas.
 Deixa o caminhão na empresa, e pega seu carro. Chega em casa perto das 19h:00min. Com seu controle remoto ergue o portão da garagem, entra com o carro, desce o portão e sai do carro. Abre a porta que dá para a cozinha, ouve uma música alta vindo do quarto. O tipo de música que ele gosta de ouvir, provavelmente sua mulher ouvindo algum cd seu. Leonardo passa pela cozinha e atravessa o pequeno corredor. Passando pelo banheiro, a próxima porta é a de sua filha. Ela não está. Ele pensa: "provavelmente está no quarto com a mãe ou na casa dos avós". A porta do lado oposto é a do seu quarto. Que sorriso de satisfação em seu rosto. Louco para agarrar sua mulher, que não via há 3 dias. Abre a porta do quarto. Ela está lá, deitada nua sobre a cama, os cabelos negros soltos sobre o travesseiro, seu seio direito à mostra, sua perna direita, torneada, pra fora do lençol, e o melhor amigo de Leonardo, nu sobre ela.
 Ela empurra o homem para longe e fica ajoelhada sobre a cama cobrindo-se com o lençol. O homem salta para o lado direito da cama, próximo à porta e fica encostado ao criado-mudo com um olhar de assombro nos olhos. Recebe um chute no estômago e se abaixa de dor, então mais um chute, dessa vez na cabeça, que bate contra a parede. Cai desacordado no chão. A mulher faz menção de se mover na direção do marido, que ergue as costas do punho fechado na direção do queixo da mulher, que tomba também desacordada sobre a cama.
 Leonardo puxa sua caixa de ferramentas que está sob a cama, retira dois grandes rolos de fita adesiva e prende os braços e pernas da mulher e do ex-amigo. Arrasta-os para fora do quarto, passa pelo corredor, pela cozinha, e chega à área de serviço, que fica do lado oposto à garagem. Retira as cordas - usadas para pendurar as roupas - que atravessam o cômodo, dos ganchos chumbados às paredes, e pendura os dois corpos inertes em cada um dos ganchos, pelas fitas que prendem seus braços.
 Marcos, o amigo, começa a despertar, um pouco zonzo, visão embaçada, ouve uma voz familiar dizendo:
 - Se fosse qualquer outro, eu apenas deixaria ir embora. A culpada é a vagabunda! Ela me devia satisfações e respeito. Mas você! Eu confiava mais do que confio em mim mesmo!
 Marcos sente uma dor aguda e um pouco de sangue jorra. Ele agora desperta totalmente e solta gritos abafados pela fita em volta de sua boca. Seu rosto se desfigura retorcendo mais de pavor do que dor. Seu pênis está à sua frente, no chão ensanguentado.
 Leonardo vai agora na direção da mulher que está do outro lado. Pega a faca ensanguentada e passa sob o seio farto da esposa, que acorda e se debate. Mais uma passada, gritos sufocados pela fita adesiva, o suor instantaneamente brota na testa da mulher. Uma terceira passada, e o seio esquerdo está no chão.
 Em meio às lágrimas:
 - Não se preocupem com a morte. Vocês provavelmente vão sobreviver a esses ferimentos, e vão lembrar pra sempre desse dia, e se arrependeram pelo resto de suas vidas! Eu posso até ir para o inferno, mas irei sabendo que vocês viverão com o castigo que merecem.
 Com a mesma faca ele faz um corte em seu pulso esquerdo e um no direito. O sangue vaza, a visão começa a embaçar, pontos pretos, e ele cai.
 Leonardo começa a abrir os olhos, uma luz muito clara o impede de ver direito. Pensa: “foi tudo um sonho?” Olha para os lados: macas, cortinas verdes, pessoas andando apressadas em trajes brancos. Está em um hospital. Ao seu lado um policial.
 - O que eu estou fazendo aqui?
 - Seu doente! Se recuperando para apodrecer na cadeia.
 - Mas eu deveria estar morto.
 - Concordo. Mas não está.
 - O que aconteceu?
  - O que concluímos, foi que Rosa, a mulher de marcos, foi ver porque o marido estava demorando tanto em sua casa. Ele tinha ido até lá sob o pretexto de arrumar alguma coisa no computador de Cláudia. Procurou pela casa toda até que os encontrou. Ela entendeu tudo na hora, talvez até o porquê da filha de sua amiga ter cabelos e olhos tão parecidos com o de seu próprio marido. Viu a faca no chão, pegou-a, enquanto o marido se debatia cortou-lhe o pescoço, em seguida foi a vez da mulher. Largou a faca e foi até sua casa que ficava ao lado, pegou a arma do marido, foi ao quarto do filho e deu um tiro em sua cabeça, então um na cabeça da filha de 7 anos do casal de amigos que estava dormindo ali, e um tiro na própria cabeça. Os vizinhos ouviram os tiros e chamaram a polícia. Quando chegamos à sua casa, seus sinais vitais estavam fracos, mas era o único que permanecera vivo. E agora você está aqui. O corte no seu pulso direito foi bem profundo e acabou ferindo bastante os tendões da sua mão. Provavelmente você não possa dirigir um caminhão outra vez. Mas para onde você vai dificilmente você precisará dirigir.
 Leonardo pensa: “Sim. Com certeza o inferno existe :/”

terça-feira, 31 de maio de 2011

Como conhecer alguém de verdade

 - Você conhece bem o Billy, né?
 - Sim. Há muito tempo.
 - Quem é o Billy de verdade?
 - Ele é como uma máscara, mas não para iludir. Pelo menos não com o intuito de se aproveitar e parecer o que não é. É a porção mais dura de um rosto. É a máscara para a proteção. É quem aguenta as pancadas.
 - E quem ele mascara?
 - A Vontade, o desejo. Ela é quem manda. E faz o que quer, como quer e no momento em que quer. É impulsiva, quase, quase sem freios. É quem sai à noite, é a sede, é quem se embriaga, é a paixão, é o olhar lascivo. Billy é quem não sente. É a superficialidade, a armadura, o elmo. Ele é quem vai à frente, é as pernas em movimento, é a garganta sendo molhada, é a embriaguês, é a volúpia, é a língua.
 - Mas por que a Vontade precisa ser protegida? Se ela é a sequência de ações, o dinamismo, o agora? Por que proteger o que é inconsequente?
 - Porque é a segunda camada apenas. Percebe os cortes e vê o sangue escorrer. Sabe que a perna está quebrada e se a fratura está exposta.
 - Quem realmente sente?
 - A parte mais vulnerável. Que fica mais tempo escondida, não por fraqueza – sua força na verdade é a mais contundente -, mas por sua falta de resistência. É a parte mais bondosa e ao mesmo tempo a mais maldosa. É a vontade de proteger os outros, o altruísmo. E isso a torna ingênua - que é uma forma elegante de chamar alguém de tolo, ignorante. E a maldade reside na ignorância. A própria ignorância é a maldade em uma forma pura e bruta. E essa parte, que pode talhar mais forte, é também quem realmente sente os cortes. É quem admira o frio noturno, é quem dá de beber, é quem fica vendo tudo girar por detrás das janelas, é o amor, é a empatia.
 - Então Billy é oco?
 - Não. Ele apenas protege, ou tenta - da maneira que melhor pode – proteger seu conteúdo. Ele dá com a cara no meio-fio, levanta com a testa aberta, leva à boca a garrafa de pinga que não deixou cair, dá uns goles e vai em frente, para onde a Vontade o levar. Ele é a parte lapidada da alma. Ou melhor, é a não-alma. É a casca dura da barata mais resistente. É quem sobrevive depois que tudo morreu.
 - Mas como assim? Ele não deveria ser a proteção? Impedir os ferimentos e a morte?
 - Sim. Mas tem suas falhas de defesa. Na realidade, a Vontade, em alguns momentos, afasta Billy. E a parte mais fraca e mais forte, vê e permite ser vista fora das janelas. E é aí que algumas vezes ela morre. A Vontade morre menos, segue mancando e moribunda até se recuperar, enquanto a parte que realmente sente não volta à vida. E nessas horas, Billy não pára. Está lá, com um sorriso sarcástico no rosto, uma garrafa de bebida em uma mão, e uma mulher na outra. Atirado em algum canto, e seguindo em frente, para a próxima garrafa. Para a próxima oportunidade de morrer.
 - Ele vai agüentar pra sempre?
 - Acho que o suficiente.
 - Para que?
 - Para a Vontade se acalmar. Quando ele não precisar impedi-la de se matar. Quando o Tolo provar que sua loucura não é tolice. Que é apenas uma ótica que não conseguiu provar empiricamente sua eficiência. Se ela existir, o tempo suficiente para a paz. Billy é quem você conhece quando você sabe o que ele não é.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Pode contar comigo! ¬¬

 Ah! A amizade! Que nobre é o sentimento de fraternidade! Que nobre é doar-se! Seu tempo, seu espaço, sua alma. E sem esperar nada em troca. Talvez, no máximo, reciprocidade. Não! Não espere coisa alguma. Ninguém lhe deve nada. Nem consideração. Espere ser procurado quando você for necessário para alguém. Espere encontrar costas viradas em sua direção, sem nem saber o motivo. Porque talvez nem tenha um motivo. Talvez você apenas tenha deixado de ser necessário. E o que mais esperar nesse mundo pragmático, capitalista, onde tudo, TUDO é descartável.
 Quase todo mundo tem aquele ombro no qual se apoiar, daquela pessoa que seu ombro também já apoiou tantas vezes. Que vai estar sempre ali pra segurar suas mãos quando elas estiverem a ponto de cortar seus próprios pulsos. Não! Hoje você está aqui, com seu peito aberto pra acolher todas as mágoas e dores. Amanhã você pode estar completamente sozinho - obviamente vou me abster de qualquer comentário de cunho religioso. E conte com isso, pois o mundo é repleto de certezas que são derrubadas todos os dias. Sua amiga, amigo, irmão, pai, filho, esposa... Palavras apenas. A verdade é que você nasce sozinho – mesmo os gêmeos siameses têm consciência independente -, morre sozinho e se pensar bem, vive sozinho. Se há algo que você pode contar que nunca vai te abandonar, é só o que há dentro de você. Engano-me. Nem isso. Algumas vezes você também abandona a si mesmo. E aí como se pode pensar em esperar uma atitude diferente de outra pessoa? Acredite no abandono. Não que ele acontece a todo o momento. Mas saiba que ele sempre vai estar ali, acompanhando, espreitando, sorrindo por cima de seu ombro amigo.
 Então não existe amizade? Existe. E é tão certa e inabalável quanto qualquer outro aspecto da vida. E o certo, é que você deve fortalecer muito suas pernas, porque amanhã pode ser que você dependa unicamente delas pra te sustentar, e como apoio nada além do seu próprio ombro. Também fortaleça sua mente, ou ao menos esteja preparado para o que pode vir. Não se trata de esperar o pior – acredite, sou um otimista -, mas sim de estar preparado. Isso te livra da decepção? Não. Mas pelo menos você já tem uma idéia do tamanho das feridas que terá de tratar.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Videogame - Vilão ou Herói?

(Trecho da monografia VIDEOGAME ARTE: UMA ABORDAGEM ARTÍSTICO-CRÍTICA SOBRE OS VIDEOGAMES, de Willian Polli sob orientação do profº Hugo Mengarelli)

 O videogame como visto anteriormente, surgiu como forma de entretenimento entre alguns jovens ligados à área tecnológica. Em pouquíssimo tempo, alcançou a população em geral e tornou-se uma mídia de massa32. Provavelmente por sua divulgação quase totalmente voltada ao público infantil no seu surgimento, passou muito tempo sendo visto como divertimento para crianças, visão ainda compartilhada por muitas pessoas. A indústria dos videogames possui o maior crescimento hoje no mercado de entretenimento, segundo o site http://idgnow.uol.com.br/computacao_pessoal/2006/07/05/idgnoticia.2006-07-05.6400721023/:

O mercado global de videogames deverá atingir receita de 46 bilhões de dólares em 2010, crescimento anual de 11,4% em comparação aos 27 bilhões registrados em 2005, segundo previsão da consultoria PricewaterhouseCoopers no estudo "Visão geral do mercado de entretenimento e mídia: 2006-2010".
Mesmo que não seja possível comparar a receita, a consultoria chama atenção para o maior crescimento do setor frente à divisão de filmes, que deverá aumentar 5,3% anuais e atingir 104 bilhões de dólares em 2010, ou de programas de TV que, com seu crescimento de 6,6% por ano, deverá registrar receita de 227 bilhões de dólares em 2010.

 Ainda assim pessoas insistem em ignorá-la. O videogame reúne aspectos diversos da cultura humana, como cinema, música e literatura. Consequentemente trata de questões sociais, ideológicas, comportamentais, seja em maior ou menor grau. As mídias de massa, em geral, podem contribuir para a manutenção do status quo, em grande parte alienadoras, e o interesse maior é o acúmulo de capital. Mas esta condição está presente também em outras manifestações culturais, como a pintura, literatura, música e qualquer outra manifestação artística. O que não é justificativa suficiente para a exclusão de meios com linguagens próprias, ricos em possibilidades, banalizados por falta de visão crítica ou interesse. Humberto Eco, a mais de 40 anos, já mostrou os equívocos que podem ser cometidos, tanto pelas pessoas que não aceitam de modo algum a inclusão das massas no meio cultural ou a difusão do Cult entre as massas, como os que acreditam que a massificação total é a solução perfeita. Ele mostra de modo bastante crítico algumas dessas possibilidades artísticas relacionadas a algumas HQs33 e livros, bem como aspectos que demonstram apenas a intenção de vender e gerar lucro em outras, em seu livro: apocalípticos e integrados.
 Quanto aos aspectos nocivos do videogame, a grande capacidade de criar um vício: tudo o que causa prazer pode gerar vício. Existem pessoas viciadas em diferentes tipos de prazeres: comida, bebida, música, festas, drogas legais ou não, sexo, TV, livros, etc., nem por isso essas atividades devem ser proibidas ou excluídas de nossas vidas. A grande capacidade de viciar que um videogame possui, talvez se deva principalmente por ser extremamente interativo. Enquanto em um livro a história só continua se a leitura tiver continuidade, no vídeo-game a história só continua se você conseguir fazê-la continuar, além da possibilidade de dirigi-la, chegar a determinado final ou não e de sua dinâmica própria também contribuir para torná-lo muito dinâmico. Mas essas considerações só podem ser feitas a jogos que correspondam a esses quesitos, pois também existem jogos ruins, como em qualquer outro meio de produção cultural. O homem sempre buscou uma fuga da realidade, a apreciação artística até certo ponto, também proporciona essa fuga, assim como o videogame, e de forma bastante eficaz.
 Existe ainda a atribuição ao videogame em influenciar comportamentos nocivos nas pessoas, principalmente os jovens. Esta afirmação normalmente é simplista, ingênua e preconceituosa. Já que essa violência ocorre em casos isolados, deveria se estudar o contexto de tais acontecimentos e os reais motivos por trás dos comportamentos violentos. A acusação de que o videogame incita a violência e ensina a como agredir pode ser contraposta pela teoria da catarse. Ela compreende que o ser humano possui certos impulsos, e que esses podem ter sua energia liberada através da vivência de certas experiências. Sendo assim, o videogame funcionaria como um canalizador de energias de um indivíduo, possibilitando que estas fluam em um espaço determinado, onde não possam causar mal a sociedade, a seus semelhantes. (SÍLBERMAN; LIRA, 2000).
 O jogo sempre esteve presente na cultura humana, e também entre os adultos, independente da etnia, poder econômico ou qualquer outro fator cultural. Sempre foi importante para a sociedade e a interação entre as pessoas. Pode parecer que os jogos on-line afastem as pessoas, mas alguns estudos sugerem que ele melhore os relacionamentos pessoais e aproxime grupos específicos de pessoas (http://noticias.terra.com.br/ciencia/interna/0,,OI3189556-EI8147,00.html). A questão com certeza ainda está longe de ser resolvida, por isso devemos permanecer atentos e não nos deixar levar por especulações sem um olhar crítico.

32 Característica típica dos meios de comunicação de massa é a possibilidade que apresentam de atingir simultaneamente uma vasta audiência, ou, dentro de breve período de tempo, centenas de milhares de ouvintes, de telespectadores, de leitores. (retirado de: http://pt.wikipedia.org/wiki/Meios_de_comunica%C3%A7%C3%A3o)
33 Historias em quadrinhos

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Pena

O riso hipócrita é descaradamente sofrido
O sarcasmo derrotado só deixa seu próprio buraco mais fundo
Mas como otimista, pensei a respeito:

Você escolhe o amor ou ele te escolhe?
Existe realmente o amor?
Ou o que existe é a vontade de amar?

Existe o puro e completo altruísmo?
Não é egoísta o prazer de cuidar de outro ser?
O que move o mundo é o egoísmo?
Ou a luta em negar sua natureza?

Não estamos todos em nossas caixas apertando os botões “corretos”?
Esperando por nossas recompensas?
Ou levando choques para mostrar que pode ser diferente?
Apenas apertando um botão diferente no prazer egoísta de contrariar?

No fim
A verdade talvez seja que estamos mesmo todos sozinhos
Todos os 7 bilhões de nós

terça-feira, 24 de maio de 2011

Retirando o véu

 Enfim o caos! Meu trabalho está feito! Às vezes, você não sente que precisa movimentar as engrenagens da vida? Sim. Acho que todos precisamos sentir que surtimos efeitos no mundo. Bom? Ruim? Questão de percepção quando a intenção é apenas mover as rodas da vida. O importante é fazer. É claro que o objetivo deve ser primariamente construtivo. “De boas intenções o inferno está cheio”. Mas o que vale não é a intenção?rs
 As pessoas tendem a se enganar. Tendem a viver de aparência e mantê-la diante delas mesmas, porque não suportam a verdadeira imagem de seu reflexo no espelho. Gostam de enganar a si mesmas e que outros as ajudem a manter essas mentiras. Procuram constantemente apoio, e os “amigos”, na sua piedade e incapacidade de causar o mal necessário para que se faça o bem, apóiam as ilusões. Eu também devo ter as minhas, mas procuro sempre olhar lá no fundo obscuro da minha alma o que pode haver de pior, porque por melhor que eu seja – ou ache que eu seja – sei o que pode estar lá de verdade. E é muito mais fácil controlar os monstros quando os conhecemos. Como e quando quisermos controlá-los.
 Há um ditado que diz “a maioria das pessoas prefere ser arruinada pelo elogio a ser salva pela crítica”. Mas a crítica gera discórdia, discussão, dúvidas. Quem quer isso? Acho que eu quero. Não vou me acomodar diante de falácias e meias-verdades. Estou certo sempre? Não. E faço questão de saber quando estou errado. Mas seja capaz de me mostrar isso.
 Destruir para renovar. Você costuma dizer o que as pessoas precisam ouvir pra se sentir bem? Deixe-me adivinhar: não está funcionando. Porque você precisa dizer a verdade, cruel e avassaladora – não necessariamente com palavras cruéis, nem sempre. A pessoa talvez continue tentando se enganar, mas a semente da dúvida está plantada e o questionamento é o caminho para o crescimento.
Às vezes, precisamos ouvir o motor funcionando, mesmo em meio ao som de metal retorcendo e cheirando a queimado.
 Mas cuidado: às vezes, pode ser tédio apenas.rs

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Por que tão sério?

Eu sou um agente do caos
O caos me persegue
Só deixo que me leve
E agora
Essa é a direção
Para a qual o vento sopra
Para você!

domingo, 22 de maio de 2011

Planos? Não, mesmo!

    Desço do taxi e olho ao redor. Ele está lá, entre algumas pessoas. Há muitas outras por perto, algumas muito estranhas. Legal... Um lugar estranho cheio de gente estranha. Mas ele está aqui. E tem bebida. Tudo bem então. Perfeito! Não precisa muito mais.
    Aproximo-me, mas não tenho certeza de como cumprimentá-lo. Ele também não parece ter muita certeza. Eu e o Billy não nos conhecemos há muito tempo e saímos três vezes apenas. Damos um beijo no canto da boca. Sou apresentada a algumas pessoas.
    - O que você quer beber?
    - Tanto faz. O que vocês estiverem tomando.
    - Cerveja. Mas eu vou pegar outra coisa. Vodka com refrigerante sabor citrus?
    - Ah, não sei, tanto faz. Pode ser cerveja mesmo.
    - Não. Espere aí que vou pegar pra você.
    Ele sabe que não sou muito fã de cerveja. Ele vai até o balcão enquanto converso um pouco com seus amigos. Nada de mais, conversa trivial. Acho que não querem que eu me sinta muito deslocada. Ele volta com o copo. Bebo. Bebo rápido.
    - Tá bom? Não tá muito forte?
    - Não. Tá bom assim.
    O copo acaba rápido. Acho que estou um pouco nervosa. Ele volta com mais meio copo de vodka pra ser misturado com o refrigerante. Esse também acaba rápido.
    -É, você tava com sede einh rs. Vou pegar mais um. E um só pra mim rs.
    -Eu vou lá com você.
    Vamos ao balcão do bar. Eu peço uma dose de rum sabor maçã. Ele pede mais uma de vodka. O garçom pergunta:
    Bastante gelo?
    - Ele responde:
    - Bastante vodka rs
    - A quantidade de vodka vai ser a mesma
    Ele pergunta ao dono do bar:
    - Não dá pra substituir o gelo por vodka?
    O cara apenas ri. Eu digo:
    - É, não custa perguntar né?rs
    Bebemos, conversamos, nos beijamos. Estou bem alegre. Passo minha mão entre as pernas dele, e ele entre as minhas. Ele fica excitado. As pessoas continuam a nossa volta, mas ninguém parece ligar muito para o que acontece por ali. Pegamos mais uma dose cada um, ou duas. Não tenho certeza. Chega um momento que fica difícil lembrar certos detalhes.
    - Você tá bebendo muito rápido. Vai passar mal.
    - Não. Eu to bem.
    Não estou bem. As coisas já estão girando. Eu me sento na muretinha ao nosso lado. Fico agachada, com a cabeça entre meus joelhos.
    - Tá. Então eu vo no banheiro.
    Ele sai e diz para o amigo dele:
    - Vo no banheiro. Cuida dela. Não deixa ela cair no chão rs.
    Olho para o chão. O chão parece olhar para mim, me chamar. Vomito. Sujo um pouco minha bota.
    Billy volta do banheiro:
    - Oh... Você passou mal rs. Eu disse que você tava bebendo muito rápido. Você tá tentando limpar sua bota com esse guardanapo? Não tá dando muito certo rs. Da onde você arrumou isso?
    - Não sei. Alguém me deu rs.
    Billy senta ao meu lado e fica ali abraçado comigo. Continua bebendo. Conversa um pouco com alguns amigos. Não tenho idéia de quanto tempo passou, mas fico um pouquinho melhor. Não muito, mas o suficiente para acariciá-lo por baixo da sua jaqueta e provocá-lo.
    - Ah, como você é malvada Luana! Sabe que daqui a pouco eu tenho que ir embora rs.
    - Então ta. Aí vamos embora. Cada um pra sua casa rs.
    Mas eu não paro. Estou mal, mas ainda consigo me divertir um pouco.
    - Nossa! Ou você confia muito em mim, ou não se importa muito com coisa alguma. – silêncio – Hum, acho que é a segunda opção mesmo rs. Tá tarde. Preciso ir embora. O que você quer?
    - Ir pra casa
    - Então levanta que eu te levo até o taxi.
    - Não. Espera mais um pouco.
    - Você não prefere ir pra um hotel comigo? Aí você dorme um pouco e quando estiver melhor você vai.
    - Não. Quero i pra casa.
    - Certeza?
    - Não rs.
    - Vem. Vamos pegar um taxi e vamos pro hotel.
    Atravessamos a rua pra chegar ao ponto de taxis. Fui literalmente escorada nele, andando um pouco em ziguezague, porque definitivamente, sóbrio ele também não estava. Ele diz que vai tentar convencer um taxista a me levar, e que ia me apresentar como sua namorada, pra facilitar a conversa.
    - Oi. Minha namorada não tá muito bem. Você podia levar...
    -Não!
     - Mas é aqui pertinho. Ela não ta conseguindo andar direito.
    - Nesse estado não tem como. Se ela vomitar no carro eu não posso mais trabalhar o resto da noite. Tenta com algum outro aí.
    O quarto taxista com quem o Billy conversou parece um pouco disposto a pensar na possibilidade de nos levar.
    - Por que os outros não quiseram levar ela?
    - Eles tão com medo que ela passe mal no carro. Mas ela não vai não. Só não tá muito bem.
    Nisso, ele aponta pra mim. Eu estou em pé, mas com a cabeça agachada entre os joelhos, o cabelo tocando o chão, e balançando um pouco para os lados. A imagem não devia passar exatamente a imagem que o Billy estava tentando passar para o taxista.
    - Luana! De pé! Vai! Cara de boa!rs
    Fico com o corpo ereto, tiro o cabelo do rosto e olho pra frente, pro vazio. O Billy olha pro taxista esperando sua aprovação. Parece um vendedor tentando convencer o cliente de que a mercadoria é confiável. Tanto é que ainda resolveu dar garantia:
    - Olha, é aqui pertinho e eu coloco a blusa dela e a minha jaqueta em volta. Não precisa se preocupar, porque ela não vai vomitar. Se por um acaso acontecer, não vai sujar em nada o carro. Mas ela vai ficar bem sim. Sério mesmo. Né Luana?
    Eu balanço a cabeça afirmativamente. Entramos no taxi. Coloco minha blusa sobre a boca. As janelas do carro estão bem abertas. O percurso não demora 5 minutos. Mas em momentos como esse, como demora. O tempo parece que pára. Parece que não chegamos nunca. Mas chegamos.
    - Viu? Falei que ía dá tudo certo. Ela nem passou mal.
    - É. Eu arrisquei né?
    O taxista vai embora e entramos no hotel. No balcão:
    - Estamos lotados. Tem que aguardar.
    - Quanto tempo?
    - Ah, uma meia hora mais ou menos.
    Vamos para a sala de espera. Tem mais um casal lá. Enquanto esperamos chegam mais três casais. É algo de certa forma constrangedor. Não muito. Mas você, ao lado de várias pessoas, todas esperando liberar um quarto pra que possam fazer sexo, e todas sabendo que estão ali só pra isso, não é uma situação totalmente confortável. Como as pessoas sabiam? Porque era o tipo de hotel que as pessoas vão pra isso, mas não chegava a ser um motel.
    - Ela ta embriagada? Ou só com sono?
    -Hum... Sono.
    - Certeza?
    - É sono
    - Ela não parece muito bem.
    - Tá cansada. É sono sim.
    - Vo precisar do r.g. dela.
    - Cadê teu r.g.?
    - Tá aí na minha bolsa.
    - Mas onde na bolsa.
    - Não sei.
    Eu não sabia de mais nada mesmo. E não fazia a mínima questão de saber. Queria apenas um canto para desmaiar. Ele revira a bolsa. Encontra meu estojo de maquiagem, brincos, preservativos, muitos preservativos, e depois de uns 10 minutos de muita busca, encontra minha carteira. Eu pego a carteira da mão dele e entrego o r.g.
    - Agora que eu achei a carteira não precisava mais de ajuda rs.
    Ele vai ao balcão fazer o check in.
    - Eu preciso do documento dela porque ela não parece muito bem. Uma vez veio um casal aqui, e tiveram que chamar uma ambulância porque a menina passou muito mal. A família dela não sabia do rapaz, não sabia que ela tava aqui. Foi o maior rolo. Aí agente precisa garantir que tá tudo certo.
    Pegamos o elevador. Chegamos ao quarto. Desabo sobre a cama. Ele tira a roupa e deita sobre mim. Tira minha roupa.
    -Nossa! Como você melhorou de repente!
    -Aham!
    Melhorei mesmo. Na verdade, acho que nunca estou ruim pra isso.
    Depois de algum tempo dormimos. Ele se meche um pouco durante a noite, poucas vezes, mas a cada vez meu corpo parece ganhar vida, um sonambulismo sexual. E digo só o corpo mesmo, porque minha consciência estava a anos-luz de distância. Ele se meche novamente e dessa vez acordo. Começo a me empolgar e o puxo pra cima de mim. Fazemos sexo de novo. Olho no relógio: 06h40min.
- Puta que o pariu! Tá certo isso?!
- Acho que tá. Meu celular tá despertando.
Eu não posso chegar em casa tarde - ou no caso cedo- assim. O mais tarde que costumo chegar é umas 2h da manha.
    - To fudida!
    - Sim huahuahuahuahua. Isso nunca aconteceu antes?
    - Não.
    - Hum, eu costumo ouvir bastante isso. Estranho rs.
    Descemos e chamo um taxi. O taxi demora uns 10min. Nesse tempo, Billy me conta sobre detalhes da noite anterior que eu não lembrava completamente. O taxi chega, nos despedimos e vou pra casa. Penso: “por favor! tem que dar tempo de eu chegar em casa antes que alguém acorde”. O taxi pára, saio, olho pra casa e a janela se abre:
    - Nossa! Acordou cedo pra ir comprar pão?
    Pois é... Quase deu certo rs. Nada como uma noite com muita bebida e sexo seguida de um pouco de adrenalina pela manhã pra começar bem o dia.